Newsletters

A Inteligência Artificial, os smart robots e a nova capacidade tributária eletrónica

22 Maio 2025
A Inteligência Artificial, os smart robots e a nova capacidade tributária eletrónica
Newsletters

A Inteligência Artificial, os smart robots e a nova capacidade tributária eletrónica

22 Maio 2025

O desenvolvimento da Inteligência Artificial e a passagem a mainstream dos designados smart robots continua a desafiar o sistema fiscal como o conhecemos, exigindo uma reflexão profunda sobre a adequação da sua estrutura à nova realidade. Exploram-se aqui os impactos da trajetória ascendente da evolução tecnológica — agora também refletida na adoção institucional de sistemas como o assistente virtual CatIA — e discute-se a atribuição de personalidade jurídica e de capacidade tributária dos robôs inteligentes. Motiva-se o debate acerca das soluções fiscais emergentes do avanço tecnológico e da automação, à luz do novo quadro regulatório europeu consagrado no Regulamento (UE) 2024/1689, que estabelece regras harmonizadas em matéria de inteligência artificial.

O ENQUADRAMENTO

O avanço tecnológico, impulsionado pelos sistemas de Inteligência Artificial (IA) e pelos smart robots, continua a confrontar-nos com uma realidade em constante e acelerada transformação, tanto social quanto económica.

Estas mutações tecnológicas, longe de abrandar, aprofundam a reformulação do mercado de trabalho, substituindo gradualmente a mão-de-obra humana por soluções automatizadas - fenómeno que mantém bem vivas as questões fiscais de suma importância: continuará o desenvolvimento dos smart robots a acentuar o desemprego tecnológico? Como poderão os sistemas tributários adaptar-se, de forma sustentável, a esta evolução?

A substituição do trabalho humano por aplicações de IA ou por robôs autónomos e inteligentes, tem vindo a demonstrar um potencial crescente de aumento de eficiência, não obstante o impacto direto que terá na arrecadação tradicional da receita fiscal pública, em particular aquela proveniente da mão-de-obra humana.

Existe, atualmente, a necessidade — cada vez mais premente — de reavaliar os conceitos tradicionais de “trabalho” e de “produtividade” no âmbito fiscal, à luz das novas dinâmicas que a IA vem impondo com uma cadência cada vez mais célere.

Veja-se, a título exemplificativo, que a própria Administração Tributária tem vindo a incorporar soluções baseadas em inteligência artificial nos seus canais de interação com os cidadãos e as empresas. Destaca-se, a este respeito, a introdução do CatIA — o Assistente Virtual da Direção-Geral das Atividades Económicas — desenvolvido no âmbito do Programa Simplex. Este sistema de atendimento, assente em tecnologias de IA e disponível 24 horas por dia, permite prestar esclarecimentos em tempo real sobre matérias como comércio, serviços, restauração, direitos dos consumidores e outras obrigações legais, refletindo o esforço institucional de modernização digital e de aproximação ao cidadão.

Assim, e de modo a assegurar a sustentabilidade dos modelos fiscais atuais, encontramo-nos perante um desafio que exige uma reflexão profunda acerca das estruturas, dos sistemas e das políticas fiscais, nacionais e internacionais, existentes, de modo a responder eficazmente às exigências que emergem desta nova era digital.

OS SMART ROBOTS E A PERSONALIDADE JURIDICA TRIBUTÁRIA

O impacto negativo, ao nível da receita fiscal, emergente da proliferação da inteligência artificial e dos denominados robôs inteligentes, deixou há muito de ser uma questão meramente académica; esta querela continua a envolverprofundas implicações fiscais, sobretudo no que tange à erosão potencial da receita fiscal.

É esta complexidade e problemática que tem sustentado a discussão sobre a viabilidade de atribuir personalidade jurídica aos robôs, proposta inicialmente motivada pela necessidade de clarificar questões de responsabilidade, mas que permanece de inequívoca relevância no âmbito fiscal.

Com efeito, a atribuição de personalidade jurídica aos robôs inteligentes continua a ser considerada como uma solução potencialmente eficaz para os enquadrar enquanto sujeitos passivos de imposto, confrontando-nos, contudo, com desafios sem precedentes, particularmente no que respeita à sua autonomia e capacidade de ação.

Este debate transcende, porém, a mera classificação jurídica, inscrevendo-se num contexto mais vasto que contempla dimensões éticas, políticas e económicas. A possibilidade de considerarmos os robôs inteligentes como sujeitos passivos de imposto continua a suscitar questões intrincadas sobre a natureza dos direitos e deveres que lhes poderiam ser atribuídos. Ademais, a complexidade destas questões é ainda mais visível com o evoluir das aplicações de IA, exigindo a adaptação contínua do quadro jurídico-tributário às novas realidades (económicas e sociais), numa tarefa que desafia a praxis convencional e impõe uma abordagem inovadora, capaz de reconhecer todas as particularidades desta nova realidade.

Não obstante a possibilidade, em tese, de conferir personalidade jurídica a entidades não humanas, tal não implica que, de forma automática, possa ser atribuída aos smart robots personalidade tributária, pois a capacidade para ser considerado sujeito passivo de obrigações tributárias depende de critérios que transcendem a mera existência de personalidade jurídica, incidindo sobre capacidade económica e possibilidade de imputação de um património autónomo.

Por conseguinte, a questão central não reside tanto na atribuição de personalidade jurídica per si, mas, sim, na identificação de uma base, económica, que justifique a sujeição passiva tributária. E se esta abordagem sugere uma reflexão crítica sobre o conceito de capacidade contributiva, que não deve ser vista como uma decorrência, automática, da personalidade jurídica, mas como manifestação de uma capacidade económica suscetível de tributação, alinha-se também com o princípio segundo o qual o direito fiscal deve priorizar a substância (económica) sobre a forma (jurídica), um princípio que se afigura particularmente pertinente no atual contexto da inteligência artificial e dos robôs inteligentes.

A problemática da tributação das “entidades” tecnológicas coloca, assim, em relevo a necessidade de um quadro jurídico que possa acomodar as peculiaridades destas novas realidades. A possibilidade de reconhecer personalidade tributária passiva a robôs inteligentes, a entidades de inteligência artificial, condicionada pela capacidade de gerar rendimentos, ou de possuir um patrimônio, continua a desafiar – mais ainda - os paradigmas tradicionais e exige uma abordagem também ela inovadora e que considere os constantes e consistentes avanços tecnológicos e as suas implicações económicas.

Assim, a determinação de capacidade contributiva passiva dos smart robots implicará, cada vez mais, um exercício de equilíbrio entre a justiça fiscal e a inovação tecnológica - um desafio contínuo que nos convoca a repensar os fundamentos do nosso sistema jurídico-tributário neste século XXI.

A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ELETRÓNICA DOS SMART ROBOTS

Como vimos, a transição para uma economia cada vez mais automatizada mantém-se como uma realidade incontornável e que nos continua a conduzir a novos desafios, a par da revolução industrial, no século XIX. A substituição progressiva do homem pela máquina, ou, ainda, a alteração do tecido laboral pela digital divide, implicará a diminuição das receitas fiscais do Estado, e, simultaneamente, um acréscimo de prestações sociais, causado pelo aumento do desemprego e pela substituição do homem pela máquina.

É na necessidade de corrigir tais desequilíbrios e de mitigar essas perdas que surgiu a primeira proposta de tributação dos robôs, responsáveis pela eliminação de postos de trabalho (a denominada “robot tax”), uma ideia que, embora tenha sido rejeitada pelo Parlamento Europeu em 2017, já se encontra em vigor na Coreia do Sul (Resolução do PE 2015/2103 INL).

Neste âmbito, torna-se cada vez mais imperativo definir quem será o sujeito passivo do novo imposto. Inicialmente, em nossa opinião, poderia recair sobre o proprietário do robô, não obstante perspetivarmos que o próprio robô — considerado uma "entidade autónoma e inteligente" com capacidade e, possivelmente, personalidade jurídicas — possa assumir essa responsabilidade. Contudo, a metodologia exata para a efetivação desta tributação permanece questão aberta e sujeita a debate.

Será, portanto, inevitável, um escrutínio mais rigoroso sobre as bases legais e práticas da nova tributação dos robôs nesta era de transformação digital e industrial contínua. A proposta abre o caminho para as inovações no direito fiscal, mas também exige adaptações nas estruturas legais e económicas para acolher as mudanças que a automação traz para a sociedade e para a economia global e a sociedade em geral.

O AI ACT: O REGULAMENTO INTELEGÊNCIA ARTIFICIAL

O Regulamento (UE) 2024/1689, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de junho de 2024, composto por 180 considerandos, 113 artigos e 8 anexos, estabelece o primeiro quadro jurídico vinculativo a nível mundial especificamente dedicado à inteligência artificial (IA), consagrando a União Europeia como pioneira na regulação ética e segura desta tecnologia emergente.

Assente numa abordagem baseada no risco, o Regulamento classifica os sistemas de IA em diferentes categorias — desde práticas proibidas até sistemas de risco mínimo — impondo obrigações graduais em função do nível de risco associado. Deste modo, sistemas considerados de “alto risco” — como aqueles utilizados, por exemplo, na gestão de infraestruturas críticas, na educação, na identificação biométrica ou no recrutamento — ficam sujeitos a requisitos de conformidade, como avaliações de impacto sobre direitos fundamentais, mecanismos de supervisão humana, robustez técnica e auditorias. Já os sistemas com risco considerado inaceitável, como os destinados a social scoring, manipulação subliminar ou reconhecimento facial indiscriminado, são expressamente proibidos.

A este respeito, note-se que o incumprimento das obrigações impostas por este Regulamento poderá implicar a aplicação de sanções, incluindo coimas para as empresas até € 35.000.000 ou 7% do volume de negócios anual a nível mundial.

O AI Act adota, igualmente, uma visão abrangente quanto ao seu âmbito de aplicação, incluindo disposições com efeito extraterritorial. Assim, o regulamento será aplicável não apenas a operadores estabelecidos na União Europeia, mas também a entidades sediadas em países terceiros, desde que os sistemas de IA por si desenvolvidos ou disponibilizados tenham efeitos na UE. Este âmbito extraterritorial reforça a sua eficácia regulatória num contexto tecnológico global, sujeitando ao seu regime jurídico fornecedores internacionais de modelos de IA de finalidade geral — particularmente, aqueles considerados de risco sistémico — cuja utilização possa produzir impacto relevante no território da União.

A entrada em vigor do Regulamento ocorreu a 2 de agosto de 2024, sendo, no entanto, a sua aplicação faseada até 2027, com algumas obrigações a vigorar apenas em 2030 para sistemas já colocados no mercado. Esta implementação gradual visa permitir a adaptação progressiva dos agentes económicos às novas exigências, enquanto assegura a operacionalização eficaz de um modelo regulatório tecnologicamente neutro, mas juridicamente complexo.

A sua aplicação prática implicará, em última instância, uma reconfiguração significativa das obrigações legais de empresas tecnológicas, programadores, utilizadores e autoridades públicas, sobretudo no que se refere à conformidade com os princípios europeus de transparência, segurança e respeito pelos direitos fundamentais no domínio da inteligência artificial.

Neste contexto, destaca-se, em particular, a relevância da aplicação do AI Act no setor fiscal. A utilização de sistemas de inteligência artificial pela Administração tributária — como no caso de assistentes virtuais, mecanismos de triagem automatizada ou modelos preditivos — e pelos contribuintes — através de plataformas de simulação fiscal ou de geração automatizada de declarações — poderá envolver riscos que exigem escrutínio jurídico reforçado. A opacidade dos processos decisórios, a ausência de supervisão humana ou o enviesamento algorítmico podem comprometer direitos fundamentais como a igualdade, a não discriminação e a proteção contra decisões administrativas injustificadas. Assim, a incorporação de IA em sistemas fiscais, por entidades públicas ou privadas, deverá respeitar estritamente os parâmetros de segurança, explicabilidade e responsabilidade definidos no Regulamento, assegurando uma utilização da tecnologia compatível com os princípios do Estado de direito.

OS DESAFIOS E AS SOLUÇÕES FISCAIS: UM FUTURO INCERTO

Em face do exposto, continua a impor-se a necessidade de equilibrar a neutralidade fiscal com incentivos direcionados. A neutralidade fiscal poderá garantir um campo de jogo, equilibrado, entre mão-de-obra humana e os robôs, evitando distorções no mercado de trabalho. Os incentivos fiscais para a manutenção ou a contratação de trabalhadores humanos poderiam ser contrapeso à tendência da automação. Paralelamente, parece-nos surgir como solução potencial a imposição de um aumento dos impostos sobre as empresas que se beneficiem, exclusiva e predominantemente da automação, sem a utilização de mão-de-obra humana (compensar-se-ia assim o impacto social do desemprego tecnológico, embora deva ser cuidadosamente calibrada para evitar desincentivar a inovação).

Solução alternativa, poder-se-ia encontrar na emergência de um novo rendimento mínimo garantido como salvaguarda dos trabalhadores humanos afetados pela automação. Este RMG poderia fornecer uma rede de segurança para aqueles cujos empregos foram substituídos pela tecnologia, garantindo um padrão, mínimo, de vida e mitigando as tensões sociais. Contudo, levanta questões de sustentabilidade financeira e efeitos sobre a motivação para o trabalho.

Outra abordagem concebível, poderia centrar-se na tributação direta do uso dos smart robots, atribuindo-se um rendimento, imputável aos robots, sujeito a imposto sobre o rendimento, mas na esfera do seu proprietário, incentivando um uso ponderado da automação. Por outro lado, poder-se-ia sujeitar ainda, tal rendimento imputável aos robôs, a contribuições para a segurança social, promovendo o equilíbrio face à diminuição dos trabalhadores (humanos).

Num primeiro estádio, também se pode equacionar um imposto baseado no rácio entre as receitas e o número de trabalhadores humanos e, num segundo, a imposição do imposto diretamente sobre o robô, refletindo uma capacidade contributiva eletrónica - esta medida, embora inovadora, levanta questões complexas sobre a personificação fiscal de entidades não humanas.

Outra eventual solução fiscal - esta semelhante aos impostos aplicados a carros, barcos ou aviões – seria a de criar um imposto novo sobre a propriedade do smart robot na esfera do seu proprietário. Na prática, um imposto (tributação autónoma?) com uma taxa anual conforme o valor e a capacidade do “equipamento” - tal imposto conduz a alguma simplicidade administrativa, não obstante necessitar de avaliação cuidadosa, para não desincentivar, simultaneamente, os investimentos na inovação tecnológica.

Por fim, poderia ainda sugerir-se a criação de uma taxa compensatória pelo uso de robots. Esta taxa, funcionando como uma licença de uso, seria proporcional à capacidade, ou ao tempo de uso, do robô. E o vínculo entre o uso de robôs e as vantagens concedidas pelo Estado poderia ser estabelecido de modo que empresas que contribuam significativamente para o desenvolvimento social ou económico por meio da automação recebam incentivos ou benefícios fiscais.

CONCLUSÃO

Cada uma destas soluções fiscais apresenta benefícios e desafios. A chave para a sua concretização eficaz virá de um equilíbrio cuidadoso, entre incentivar a inovação e a automação, e proteger a força de trabalho (humana), mantendo a sustentabilidade das receitas fiscais públicas do Estado. A evolução constante do panorama tecnológico exigirá, assim, uma abordagem dinâmica e adaptável à formulação das políticas fiscais.

A consolidação de sistemas institucionais baseados em inteligência artificial — designadamente a CatIA — e a entrada em vigor do Regulamento (UE) 2024/1689 demonstram que a evolução tecnológica já não é uma perspetiva futura, mas uma realidade regulada e presente. Assim, a definição das políticas fiscais nesta nova era exigirá, cada vez mais, uma abordagem dinâmica, informada e estruturalmente adaptável à velocidade e complexidade do progresso tecnológico

***

Rogério Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Álvaro Silveira de Meneses
Miriam Campos Dionísio
João de Freitas Jacob
José Nuno Vilaça
Joana Fidalgo Barreiro

Know-How