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Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (1.º Trimestre de 2022)

17 janvier 2023
Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (1.º Trimestre de 2022)
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Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (1.º Trimestre de 2022)

17 janvier 2023

SUMÁRIO

A presente Informação Fiscal apresenta uma síntese trimestral das principais decisões proferidas pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em matéria tributária, analisando o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter.

Esta Informação tem por referência o 1.º Trimestre de 2022, em que salientamos as seguintes decisões:

1.

NÚMERO DO PROCESSO: 229/2021-T
DATA: 28 de fevereiro de 2022
ASSUNTO: IRC – Procedimento inspetivo interno – Benefícios fiscais à interioridade – Direção efetiva – Ónus da prova

A Requerente apresentou Pedido de Pronúncia de Arbitral, com vista à obtenção da anulação dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), referentes aos exercícios de 2017 e de 2018 e, bem assim, a condenação da Administração tributária ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de Juros Indemnizatórios.

FACTOS

A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao comércio, nacional e internacional, de madeiras, essencialmente exóticas, provenientes de África.

Nos anos de 2017 e 2018, a Requerente era beneficiária dos benefícios fiscais à interioridade, previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”).

No âmbito da sua atividade, a Requerente foi, inicialmente, alvo de um procedimento inspetivo externo, de âmbito parcial, em sede de IRC, referente ao exercício de 2017, com vista ao controlo dos pagamentos efetuados a título de ajudas de custo e compensação por deslocação em viatura própria.

Posteriormente, a Requerente foi alvo de um segundo procedimento de inspeção tributária, mas interna, de âmbito parcial, também em sede de IRC, e referente ao exercício de 2018, com vista ao controlo do usufruto dos benefícios fiscais à interioridade.

Em consequência, veio a Requerente a ser notificada das correções constantes do Relatório de Inspeção Tributária e subsequentemente das liquidações de IRC dos exercícios de 2017 e de 2018, as quais veio a proceder ao pagamento voluntário.

Inconformada com os atos de liquidação de IRC, a Requerente apresentou o presente Pedido de Pronúncia Arbitral contra os mencionados atos de liquidação.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada e não provada e elencadas as posições das partes, o Tribunal identificou como questões controversas: (i) a violação da lei, por preterição de formalidades legais, por ausência de notificação da instauração do procedimento de inspeção tributária do exercício de 2018; e (ii) os vícios de falta de fundamentação e errónea qualificação das correções efetuadas aos exercícios de 2017 e 2018.

No que respeita à violação da lei, por preterição de formalidades legais, por ausência de notificação da instauração do procedimento de inspeção tributária, entende a Requerente que existiu falta de notificação do início do procedimento de inspeção tributária, referente ao exercício de 2018, uma vez que só foi notificada do procedimento de inspeção tributária, referente ao exercício de 2017, através de carta-aviso e que, de acordo com o disposto no RCPITA, deveria ter sido notificada com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início.

Na sua Resposta, sustentou a Administração tributária que a Requerente não tinha razão, uma vez que o procedimento de inspeção tributária referente ao exercício de 2018 tinha sido um procedimento de inspeção interno e não um procedimento inspetivo externo e que por isso não se lhe eram aplicáveis as mesmas regras.

Neste sentido, o Tribunal refere, desde logo, que só o procedimento de inspeção tributária externo deve ser notificado com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início.

Assim, no caso em apreço, tendo em consideração que a Administração tributária, para o exercício de 2018, classificou o procedimento de inspeção tributária como interno, não se poderia aplicar a norma em causa ao caso em apreço.

Contudo, refere ainda o Tribunal que a classificação do procedimento dada pela Administração tributária não é vinculativa e não depende da sua discricionariedade. Nesta medida, o Tribunal procedeu à análise da classificação do procedimento de inspeção tributária, considerando que o procedimento de inspeção tributária é interno quando “(…) os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento”, ou seja, “nestes casos a administração fiscal afere, de acordo com a informação que tem disponível, se o sujeito passivo cumpriu ou não com os seus deveres e se existe alguma discrepância com outros elementos que tenha na sua posse, nomeadamente declarações de entidades terceiras. Trata-se de atividades de controlo, em que a Administração tributária não efetua qualquer diligência fora das suas instalações.”.

In casu, considera o Tribunal que a Administração tributária utilizou a documentação que tinha obtido através do procedimento de inspeção externo efetuado à Requerente quanto ao exercício de 2019.

E, como tal, não tendo a Administração tributária se deslocado às instalações da Requerente ou de outro contribuinte, nem solicitado documentos a terceiros, o procedimento de inspeção para o exercício de 2018 é classificado como interno, concluindo o Tribunal pela improcedência do vício de violação de lei, por preterição de formalidades legais, por ausência de notificação do procedimento de inspeção referente ao exercício de 2018.

Já no que se refere aos vícios de falta de fundamentação e errónea qualificação das correções efetuadas aos exercícios de 2017 e 2018, entende o Tribunal que um ato de liquidação considera-se não fundamentado quando “(…) perante um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, o ato tributário se apresente, sob um ponto de vista de razoabilidade, como um produto do puro arbítrio da Administração, por não serem discerníveis os motivos de facto e/ou de direito em que assenta (…).”.

Com efeito, nos presentes autos, o Tribunal entendeu que os atos de liquidação em causa não enfermavam de falta de fundamentação, uma vez que os mesmos ocorreram na sequência de procedimento inspetivo externo e interno e no qual a Requerente, desde a audiência prévia, demonstrou compreender e não aceitar os fundamentos invocados pela Administração tributária.

Por outro lado, já quanto à errónea qualificação das correções, sustentou a Administração tributária que o local de direção efetiva da Requerente não se localizava em Baião, mas sim no Porto e, portanto, não lhe era aplicável o benefício fiscal da interioridade.  

A Requerente, por outro lado, defende-se, alegando que a sua atividade era realizada quase exclusivamente por via de comunicações digitais e à distância, apenas dependentes da detenção de equipamentos informáticos portáteis, pelo que considera que o conceito atual de estabelecimento estável de uma sociedade tinha de ser analisado em moldes diferentes dos negócios tradicionais.

Segundo o artigo 41.º-B do EBF, “Às empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de ​serviços em territórios do interior, que sejam qualificadas como micro, pequenas ou médias empresas, nos termos previstos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, é aplicável a taxa de IRC de 12,5 % aos primeiros 25 000 € de matéria coletável.”.

Porém, estabelece o n.º 2 do artigo citado que “São condições para usufruir dos benefícios fiscais previstos no número anterior: a) Exercer a atividade e ter direção efetiva nas áreas beneficiárias”.

Neste sentido, socorrendo-se da doutrina sobre o conceito de direção efetiva, considera o Tribunal que “(…) o local onde os negócios são dirigidos e/ou fiscalizados será o local a ser considerado como o local de direção efetiva, o que no presente processo arbitral, face à prova produzida pelas Partes, será possível concluir que não será o local da sede estatutária (sede de direito) (…)”, uma vez que ficou demonstrado pela Administração tributária que (i) o local da sede estatutária corresponde a uma casa totalmente fechada, (ii) a existência de um serviço de reexpedição de correspondência da sede estatutária para o Porto, (iii) a existência de ajudas de custo, em que os percursos tinham maioritariamente o seu início no Porto, (iv) a inexistência de consumos de água, eletricidade e custos de saneamento no local e (v) que grande parte da documentação, como por exemplo, faturas emitidas, faturas de fornecedores, recibos de vencimento dos trabalhadores e extratos bancários se encontravam endereçados e/ou emitidos para a morada do Porto.

Mais considera o Tribunal que, face a esta prova da Administração tributária, caberia à Requerente fazer prova de que a direção efetiva da sociedade era em Baião, e não no Porto. Não tendo conseguido demonstrar que a direção efetiva era em Baião, conclui o Tribunal pela improcedência do Pedido de Pronúncia de Arbitral, uma vez que a região do Porto não está abrangida pelas áreas previstas pelos benefícios fiscais à interioridade, decidindo o Tribunal manter na ordem jurídica os atos tributários de IRC.

2.
NÚMERO DO PROCESSO: 554/2021-T
DATA: 15 de março de 2022
ASSUNTO: IRC – Derrama Municipal – Tributação dos rendimentos obtidos fora de Portugal

As Requerentes apresentaram Pedido de Pronúncia de Arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRC, relativamente à derrama municipal do exercício de 2018 e, bem assim, a condenação da Administração tributária ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de Juros Indemnizatórios.

FACTOS

A Requerente A, sociedade dominante do Grupo, enquadrada no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) detinha, no exercício de 2018, a Requerente B, sociedade que tem como atividade principal a fabricação de cimento.

A Requerente B, em 2002, adquiriu uma participação na empresa C, situada no Líbano, tendo, no ano de 2007, reforçado a sua participação na empresa C, passando a deter um total de 50, 5% do respetivo capital.

Em 2019, a Requerente B procedeu ao preenchimento da declaração Modelo 22 individual, com referência ao exercício de 2018, na qual declarou um prejuízo fiscal avultado, tendo a Requerente B liquidado a título de Derrama Municipal a quantia de 0€.

Posteriormente, a Requerente B procedeu à submissão de declaração de substituição de IRC destinada tão-somente à correção da dotação do período quanto ao benefício fiscal do SIFIDE.

Neste sentido, a Requerente A, na qualidade de sociedade dominante do Grupo, procedeu igualmente à submissão de declaração de substituição de IRC, mediante a qual procedeu à correção da dotação do período quanto ao benefício fiscal do SIFIDE, sem qualquer impacto no resultado do Grupo.

Ulteriormente, a Requerente B foi sujeita a um procedimento de inspeção tributária externa, de âmbito geral, que incidiu sobre a última declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do exercício de 2018.

No âmbito do procedimento de inspeção tributária externa, a Administração tributária procedeu a correções ao lucro tributável da Requerente B, pois, no entender da Administração tributária, os dividendos recebidos pela sua participada C não estão isentos de IRC, dado que não se encontram preenchidos os pressupostos previstos no CIRC, pelo facto de o Líbano ser um país com regime de tributação privilegiada claramente mais favorável.

Neste sentido, a Administração tributária procedeu à emissão do ato de liquidação de IRC, no qual previa um montante a pagar a título de derrama municipal.

Não se conformando com esse montante a título de derrama municipal, a Requerente A e B apresentaram Reclamação Graciosa, tendo, na sequência do seu indeferimento, interposto Recurso Hierárquico e, em virtude de o mesmo não ter sido apreciado dentro do prazo legal, as Requerentes apresentaram o presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Antes de se debruçar sobre a questão decidenda, o Tribunal começou por apreciar a exceção de litispendência, invocada pela Administração tributária.

Sobre a mesma, alega a administração tributária que “a liquidação da derrama pode estar a ser contestada por duas vias – a utilizada neste processo, com fundamento na Lei n.º 73/2013) e por via da contestação das correcções ao LT à luz do CIRC, eventualmente mediante a dedução de acção de Impugnação Judicial, o que poderá consubstanciar uma situação de litispendência, que, desde já, se invoca”.

O Tribunal começa por referir que as Requerentes deduziram uma Reclamação Graciosa, que veio a ser indeferida, tendo, nessa sequência, interposto um Recurso Hierárquico, que, de acordo com as partes, não foi objecto de decisão até à entrada do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, pelo que, desde logo, o Tribunal afirma que não estamos perante um caso de litispendência. Com efeito, o Tribunal considera que não assiste razão à Administração tributária, uma vez que, “(…) mesmo que abstratamente estivessem em causa as mesmas partes, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, um procedimento tem natureza administrativa e o outro tem natureza judicial pelo que não se encontra preenchido o conceito de litispendência. O instituto de litispendência tem como objetivo evitar que o tribunal se pronuncie duas vezes sobre a mesma matéria.” .

Neste sentido, e com base na jurisprudência, conclui o Tribunal que “Em face da noção de litispendência fornecida pelo art.º 580.º do CPC, temos de concluir que esta apenas pode ocorrer entre processos a seguir termos nos tribunais e não entre tribunais e autoridades administrativas pelo que improcede, pois, a invocada exceção de litispendência.”.

Ultrapassada esta questão prévia invocada pela Administração tributária, passou o Tribunal a apreciar a questão fundamental no processo, a de saber se a derrama municipal incide sobre o lucro tributável gerado fora do território nacional.

Neste sentido, o Tribunal começa por referir que a derrama municipal configura um verdadeiro imposto, o qual incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC dos sujeitos passivos, na proporção do rendimento gerado na área geográfica do município em causa, e acresce ao IRC de cuja existência prévia está dependente, sendo a mesma cobrada pela Administração tributária e transferida para o Município em cujo território se gerou o rendimento.

Com vista a solucionar a questão em apreço, o Tribunal cita um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no qual se pode ler que “ O lançamento de derrama devendo, por regra, imperativa, incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, tem de, quando possível a destrinça, comprovada, por não se tratarem de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, retirar, da competente base de incidência, aqueles que, num determinado exercício, forem obtidos fora do território nacional (e, consequentemente, dos municípios portugueses, os beneficiários, exclusivos, daquela).” .

Neste sentido, conclui o Tribunal que, atendendo a que estão em causa dividendos recebidos pela Requerente B da sua participada C, com sede no Líbano,“(…) o ato tributário de derrama municipal em apreço viola o disposto no artigo 18.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais, na redação em vigor à data dos factos tributários, porquanto os rendimentos gerados fora do território nacional, designadamente os lucros auferidos por via de participação social numa sociedade participada não residente, devem ser excluídos do lucro tributável e, como tal, não podem contribuir para o cálculo da derrama municipal lançada pelo município.” .

Em consequência, o Tribunal entende que o acto tributário em causa enferma de erro sobre os pressupostos de direito, devendo ser anulado, julgando procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral formulado, condenando a Administração tributária ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento dos respectivos Juros Indemnizatórios.

3.
NÚMERO DO PROCESSO: 451/2021-T
DATA: 28 de março de 2022
ASSUNTO: IRC – Avaliação de imóveis – Perdas por imparidades em inventário –Encargos suportados com empréstimos

A Requerente apresentou Pedido de Pronúncia de Arbitral, com vista à obtenção da anulação do ato de liquidação de IRC e, bem assim, a condenação da Administração tributária ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de Juros Indemnizatórios.

FACTOS

A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade de compra e venda de bens imóveis.

Em 2012, a Requerente reconheceu contabilisticamente imparidades associadas a 32 dos seus 255 imóveis, registando no balanço a crédito da conta “32.91 Imparidades em Inventários”, por contrapartida de perdas por imparidade em inventários registadas na conta “6522 – Perdas em Inventários -Mercadorias”, tendo como suporte documental do registo das imparidades uma ficha de avaliação para cada um dos referidos 32 imóveis (frações autónomas), que foram elaboradas por um perito avaliador independente cujos serviços de avaliação foram contratados pela Requerente.

O apuramento das imparidades contabilizadas resulta da diferença entre o custo de aquisição dos imóveis e o seu justo valor, que nas fichas de avaliação é designado por “justo valor de compromisso pelo arrendamento”.

Nos anos de 2014 a 2016, a Requerente reverteu as perdas por imparidade reconhecidas em 2012 e liquidou o respetivo imposto de IRC, relativo ao incremento decorrente da reversão contabilística da imparidade.

Ainda referente ao exercício de 2012, em Assembleia Geral foi autorizada a realização de empréstimos não remunerados ao sócio B e à sócia sociedade C, sendo que para tal, a Requerente recorreu a financiamento através de capitais alheios, nomeadamente a financiamento bancário, contabilizados nas subcontas SNC 25 – Financiamentos Obtidos.  

Em 2015, a Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária externa, de âmbito geral, com referência ao exercício de 2012, finda a qual a Administração tributária procedeu a correções à matéria coletável, desconsiderando as perdas por imparidade em inventário e os encargos financeiros.

Nesta sequência, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC, referente ao período de 2012, contra a qual, por não se conformar com o ato de liquidação, a Requerente deduziu Reclamação Graciosa, que veio a ser indeferida, tendo a Requerente interposto Recurso Hierárquico, que também mereceu indeferimento, reagindo a Requerente com a apresentação do presente Pedido de Pronúncia Arbitral. 

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada e elencadas as posições das partes, o Tribunal começou pela análise da determinação da dedutibilidade fiscal, no período de 2012, das perdas por imparidade em inventários reconhecidas pela Requerente, quanto aos imóveis referidos aos imóveis em causa.

No entender da Administração tributária, as perdas por imparidade registadas com base nos preços de venda que a Requerente estimou em cada uma das fichas de avaliação elaboradas por um perito independente não cumpriam com os pressupostos legais, ou seja, não eram considerados idóneos ou de controlo inequívoco.

Face a este entendimento, considera o Tribunal que as perdas por imparidade em inventário são fiscalmente dedutíveis até ao limite da diferença entre o custo de aquisição e o valor realizável líquido referido à data do balanço (que corresponde ao preço de venda estimado no decurso da atividade normal do sujeito passivo).

Por sua vez, para determinação deste preço de venda, é feita uma estimativa com base nas provas mais fiáveis disponíveis no momento, as quais, na falta de elementos oficiais, tinham de ser obtidas em função dos últimos preços que, em condições normais, foram praticados pelo sujeito passivo ou tendo em conta os preços que, no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que considerados idóneos ou de controlo inequívoco.

Neste sentido, salienta, desde logo, o Tribunal que a norma em causa do CIRC não exige que os preços estimados sejam idóneos e de controlo inequívoco, ou seja, os pressupostos previstos nesta norma não são cumulativos, ao contrário do que a Administração tributária faz crer.

Desse modo, no entender do Tribunal, para aferir se os preços de venda são idóneos ou de controlo inequívoco, é necessário aferir se o preço de venda estimado é apropriado e adequado tendo por referência o procedimento de avaliação que lhe esteve subjacente, bem como os elementos neste utilizados ou se, em alternativa, os preços de venda estimados são passíveis de serem certificados de forma inequívoca, isto é, se todos os pressupostos que estiveram na base da sua determinação podem ser controlados sem qualquer margem de dúvida.

Para o efeito, refere o Tribunal que o facto de a Requerente ter contratado um perito independente não certifica, por si só, que a avaliação efetuada é idónea ou de controlo inequívoco. Mais refere que o perito não estava obrigado a elaborar as fichas de avaliação de acordo com uma estrutura específica, uma vez que o Regulamento 8/2002 da CMVM a que a Administração tributária faz menção não se aplica ao caso, dado não estarmos perante avaliações realizadas a imóveis detidos por Fundos de Investimento Imobiliários. E, assim, o facto de também não ter cumprido com todas as exigências estabelecidas no regulamento não consiste num fundamento para que a Administração tributária possa pôr em causa a idoneidade ou o controlo inequívoco das avaliações realizadas e dos preços de venda estimados.

Igualmente, ressalta o Tribunal que o facto de a ficha de avaliação dos imóveis ter sido feita por um único perito também não é motivo suficiente para colocar em causa a idoneidade ou o controlo inequívoco das avaliações e das estimativas de preços de venda realizadas.

Feitas estas observações, e no que respeita à fórmula de cálculo, considera a Administração tributária que “(…) os ponderadores utilizados para determinar o “justo valor de compromisso pelo arrendamento” dependiam essencialmente da observação subjetiva, da liberdade de escolha e da arbitrariedade do perito avaliador independente, que teria ainda utilizado a fórmula por si desenvolvida de forma inconsciente (…)”.

Contudo, entendeu o Tribunal, com base na inquirição realizada no âmbito da reunião do Tribunal, que os elementos de discricionariedade ou subjetividade constantes na fórmula utilizadas pelo perito são seguramente inequívocos, mesmo que não possam ser de controlo inequívoco, pois o recurso alternativo ao “método da ponderação”, e não ao “método da capitalização”, garante que as estimativas efetuadas não se afastam do real preço de mercado dos imóveis, uma vez que utiliza diversos fatores de ponderação, como a localização, vistas, comodidades ou estado de conservação.

Já quanto à aplicação do método comparativo de mercado utilizado pelo perito, defende a Administração tributária que o mesmo não é idóneo nem de controlo inequívoco, uma vez que tinha sido aplicado de forma inconsistente, e sem ter em conta os preços estimados pela própria Requerente.

Todavia, entende o Tribunal que a comparação do preço de venda estimado pelo perito avaliador quanto a frações que tinham contratos de arrendamento de duração indeterminada à data das avaliações e que foram alienadas em exercícios posteriores já sem qualquer contrato de arrendamento por um valor consideravelmente superior, não se encontram numa situação idêntica e comparável.

Neste sentido, não considera o Tribunal que as “inconsistências” apontadas pela Administração tributária a este respeito coloquem em causa a idoneidade ou o controlo inequívoco dos resultados a que chegou o perito avaliador independente.

No que respeita às desconformidades com o conteúdo da NCRF 18 alegadas pela Administração tributária, entende o Tribunal que “apesar de a Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, que aprovou o NRAU ter entrada em vigor em 12 de Novembro de 2012, os seus efeitos nos contratos de arrendamento eram imprevisíveis, já que os aumentos no valor das rendas estavam dependentes da capacidade dos arrendatários para o efeito, o que o avaliador não tinham como saber. Para além disso, o aumento das rendas apenas se verificou a partir de Fevereiro e de Março de 2013, pelo que estas não eram “condições existentes no fim do período” que tivessem de ser consideradas pelo perito nas avaliações que efetuou.” .

Mais refere o Tribunal que “(…) o facto de as frações já terem sido adquiridas com contratos de arrendamento de duração indeterminada não invalida que o respetivo preço corrente de mercado desvalorize e, nessa medida, seja objeto de avaliação e registo de perdas por imparidade.”.

Em face do exposto, conclui o Tribunal que “ficou comprovado que os preços de venda estimados quanto a cada um dos imóveis cumpriam com os requisitos legais aplicáveis para que fossem reconhecidas as perdas por imparidade pela Requerente.”.

Por fim, quanto aos encargos suportados com empréstimos contraídos, entende a Administração tributária que a Requerente suportou encargos financeiros com juros que não estavam relacionados com a sua atividade, já que não tinham sido contraídos para o desenvolvimento da sua atividade, mas sim para conceder empréstimos não remunerados a um dos sócios e a uma ex-sócia, razão pela qual aqueles encargos não eram indispensáveis para efeitos do CIRC.

Em resposta, a Requerente sustenta que “estavam em causa juros relativos a empréstimos contraídos com a aquisição de prédios urbanos, pelo que os respetivos encargos estavam diretamente relacionados com a sua atividade, cumprindo desse modo com os requisitos constantes do artigo 23.º do CIRC.”.

Mais sustenta a Requerente que “(…) o motivo subjacente às correções operadas pela AT terá sido o facto de os empréstimos não serem remunerados, contudo, esse não seria um fundamento que obstasse à dedutibilidade dos juros, sendo antes um tema relacionado com as condições contratadas entre partes relacionadas.”.

Face a estas posições, considera o Tribunal que “A respeito da interpretação do critério de indispensabilidade constante deste artigo, é entendimento da jurisprudência e da doutrina que os encargos suportados não têm necessariamente de resultar em rendimentos tributáveis. Não obstante, esses encargos têm de ter sido suportados ou incorridos pelo sujeito passivo no seu interesse e no desenvolvimento da sua atividade, tendo em vista a realização dos rendimentos sujeitos a IRC ou a manutenção da fonte produtora.”

Contudo, considera o Tribunal, com base na jurisprudência, na doutrina e na matéria de facto dada como provada, que não se pode considerar que os juros suportados com concessão de empréstimos não remunerados aos sócios e ex-sócios constituem encargos realizados no interesse social da Requerente, mas sim no interesse próprio e autónomo daqueles.

Concluindo, assim, que “(…) a finalidade subjacente ao suporte dos juros em causa não se insere no âmbito da atividade da Requerente nem visa a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC ou a manutenção da fonte produtora. Por conseguinte, os encargos com os juros aqui em causa não cumpriam com o requisito da indispensabilidade previsto no artigo 23.º, nº 1 do CIRC para que fossem dedutíveis para efeitos fiscais, sendo legal e devendo manter-se na ordem jurídica a correção operada pela AT a este respeito.”

Em face do exposto, julgou o Tribunal parcialmente procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral e, em consequência, determinou a anulação do ato de liquidação de IRC no que se refere às correcções relativas às perdas por imparidade.

Lisboa, 17 de Janeiro de 2023

Rogério M. Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
João Mário Costa
Rita Sousa
José Pedro Barros
Carolina Mendes
Patrícia da Conceição Duarte

(Tax litigation team)

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