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Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (2.º Trimestre de 2022)

23 January 2023
Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (2.º Trimestre de 2022)
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Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (2.º Trimestre de 2022)

23 January 2023

SUMÁRIO

A presente Informação Fiscal apresenta uma síntese trimestral das principais decisões proferidas pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em matéria tributária, analisando o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter.

Esta Informação tem por referência o 2.º Trimestre de 2022, em que salientamos, as seguintes decisões:

1.
NÚMERO DO PROCESSO: 169/2021-T
DATA: 27 de abril de 2022
ASSUNTO: IRC – Benefício Fiscal – RFAI – Deduções à coleta de IRC – Auxílios estatais – Compatibilidade com Direito da União Europeia – Portaria de regulamentação – Inconstitucionalidade 

A Requerente apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral com vista à anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e, bem assim, à condenação da Administração tributária ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de Juros Indemnizatórios.

FACTOS

A Requerente é uma sociedade que se dedica à atividade principal de transformação, embalamento e comercialização de frutos secos e de produção e comercialização de aperitivos (“snacks”), tendo, como atividade secundária, o comércio por grosso de outros produtos alimentares não especificados.

Desde o início da sua atividade, em 2001, e até 2014, a atividade comercial da Requerente consistia na compra e comercialização de frutos secos, tendo, durante o ano de 2014, com o crescimento do mercado de “snacks”, começado a adquirir a fornecedores externos lotes de frutos secos já transformados e, também, serviços de transformação de frutos secos.

No ano de 2016, a Requerente, considerando o sucesso das vendas de “snacks”, decidiu investir no aumento da produção própria desses produtos, tendo adquirido máquinas e outros ativos fixos tangíveis e ampliado as suas instalações fabris, de forma a garantir a separação entre matérias-primas, os produtos intermédios e os produtos finais, bem como admitiu novos trabalhadores, tendo duplicado o número destes entre janeiro de 2016 e dezembro de 2018.

Nos períodos de tributação de 2016, 2017 e 2018, a Requerente, por um lado, deduziu à sua coleta de IRC, ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”), importâncias despendidas em investimentos realizados no contexto da sua atividade de produção e comercialização de “snacks” de frutos secos.

Por outro lado, a Requerente não relevou, no contexto do RFAI, quaisquer investimentos por si realizados neste período na sua atividade relativa à simples compra e revenda de frutos secos ao natural.

Em 2020, a Requerente foi alvo de um procedimento de inspeção tributária interna, no qual a Administração tributária determinou correções ao imposto devido pela Requerente, por não aceitar as deduções à coleta feitas ao abrigo do RFAI.

Face às correções decorrentes do Relatório Final de Inspeção tributária, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação adicionais de IRC, referentes aos exercícios de 2016, 2017 e 2018. Não se conformando com os atos de liquidação, a Requerente apresentou o presente Pedido de Pronúncia Arbitral contra os mencionados atos.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada e elencadas as posições das partes, o Tribunal identificou como questão controversa saber se a atividade de “transformação, embalamento e comercialização de frutos secos e de produção e comercialização de aperitivos (“snacks” )” se enquadra no âmbito de aplicação do RFAI e, em consequência, se os investimentos realizados no contexto de tal atividade podem ser relevados como deduções à coleta em sede de IRC, em face da interpretação do Código Fiscal ao Investimento (“CFI”) e demais legislação aplicável.

No entender da Administração tributária, a atividade desenvolvida pela Requerente, que se reconduz à transformação de produtos agrícolas em outros produtos agrícolas, não se enquadra no âmbito de aplicação do RFAI, uma vez que, por um lado, a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, exclui, para efeitos de concessão de benefícios fiscais, os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores (entre outros) da transformação e comercialização de produtos agrícolas, enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. E, por outro lado, porque, apesar de a referida Portaria prever que as atividades económicas correspondentes a indústrias transformadoras com o código CAE compreendido nas divisões 10 a 33 podem beneficiar do RFAI, a Administração tributária entende que o corpo do artigo é bem explícito quando refere “sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior.”

Contudo, após análise das normas citadas, entende o Tribunal que a remissão que é feita do CFI para a referida Portaria é apenas para a definição dos códigos de atividade económicos e não a definição dessas atividades.

Pois, considera o Tribunal que se a definição do âmbito objetivo de benefícios fiscais fosse por via da referida Portaria, tal nem seria constitucionalmente admissível, uma vez que se trata de matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, e como tal só pode ser regulada por lei formal ou decreto-lei autorizado, nos termos da CRP.

Neste sentido, entende o Tribunal que o CFI não deve ser interpretado como permitindo aos membros do Governo a definição do âmbito de aplicação dos benefícios fiscais através de diploma regulamentar, concluindo o Tribunal que a referida Portaria não pode afastar o benefício fiscal, por falta de habilitação legal e validade constitucional.

Contudo, considera o Tribunal que o vício de que enferma a Portaria não conduz necessariamente à anulação das liquidações impugnadas, uma vez que “(…) quando um ato tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a sua legalidade, é irrelevante que um deles seja ilegal, pois (…) não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o ato.".

Neste sentido, o Tribunal prossegue a análise dos argumentos invocados pela Administração tributária, designadamente, o argumento de que o CFI exclui do regime do RFAI “as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC.”. No entender da Administração tributária, “(…) os produtos transformados e comercializados pela Requerente (facto provado F) não muda, no essencial, a natureza dos produtos que lhes deram origem, mantendo assim, não obstante a transformação operada pelo sujeito passivo, a natureza de produtos agrícolas”, pelo que, encontrando-se as atividades de transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola excluídas do âmbito do RFAI, conclui a Administração tributária pela inelegibilidade dos investimentos feitos pela Requerente para efeitos desse benefício fiscal.

Por sua vez, a Requerente defende que "(…) as “transformações” efetuadas no decurso do seu processo produtivo nomeadamente, operações de “fritura”, “adição de açúcar”, “adição de aromas” e “condimentação”, entre outras, alteram significativamente as matérias-primas utilizadas, não podendo o resultado final continuar a considera-se como “produtos agrícolas”.

Mais salienta a Requerente que a atividade de produção e comercialização de “snacks” de frutos secos não se encontra excluída do âmbito setorial de aplicação das Orientações relativas aos Auxílios Estatais com finalidade regional (“OAR”) para 2014-2020, uma vez que a mesma se reconduzirá no limite à transformação de produtos agrícolas e não à respetiva produção.

Face a estas posições, entende o Tribunal que, seguindo o teor da Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 220/2020-T, “as liquidações enfermam de um erro de direito, quanto à invocação das OAR como obstáculo a aplicação do beneficio fiscal, pois era primacialmente com base nas especificas “Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola” que a questão tinha de ser apreciada e só se se concluísse que estas não derrogam, total ou parcialmente as OAR se poderia concluir pela exclusão do benefício fiscal com base nestas.”.

Mais acrescentou o Tribunal que, por um lado, no ponto 33 das Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020, determina-se que “(…) as OAR não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários, mas aplicam-se à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações relativas aos setores agrícolas e florestal.”. Por outro lado, o ponto (168) das Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícolas e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020, estabelece o seguinte: “(168) Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio: a) Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado; (b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020; (c) As condições estabelecidas na presente secção.”.

Neste sentido, conclui o Tribunal que a atividade da Requerente de transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente “snacks” de frutos secos, não é uma das «actividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere o CFI, e que desde que a Requerente satisfaça as condições previstas no RGIC [o Regulamento (UE) n.º 651/2014] ou na secção das OAR em que se insere este ponto (168), são permitidos os auxílios estatais.

No que se refere à exclusão do benefício fiscal pela aplicação do RGIC, entende o Tribunal que “mesmo considerando que os frutos secos transformados e os “snacks” de frutos secos comercializados pela Requerente pudessem enquadrar-se no Capítulo 20 do Anexo I do TFUE [Preparados de produtos hortículas, de frutas e outras plantas ou partes de plantas] e na posição 20.08, da Nomenclatura Combinada de Bruxelas [Regulamento (CEE) n° 2658/87, de 23/07 e Regulamento de Execução (EU) 2017/1925, da Comissão, de 22/01/2017 e publicações do Instituto Nacional de Estatística (INE): 20.08 - Frutas e outras partes comestíveis de plantas, preparadas ou conservadas de outro modo, com ou sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes ou álcool, não especificadas nem compreendidas noutras posições], como se sustentou no RIT, ainda assim os investimentos e a actividade desenvolvida pelo sujeito passivo não estariam excluídos do RFAI.”.

Isto porque considera o Tribunal que o RGIC só exclui a concessão de auxílios estatais à atividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas “(…) sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa» ou “sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários”

Pelo exposto, conclui o Tribunal que a atividade da Requerente se inclui no âmbito de aplicação do RGIC, pelo que a exceção de aplicação do RFAI às atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação do RGIC não afasta a aplicação do benefício fiscal do RFAI àquela atividade e, consequentemente, as liquidações impugnadas são ilegais, por vício de violação de lei.

2.
NÚMERO DO PROCESSO: 526/2021-T
DATA: 9 de maio de 2022
ASSUNTO: IRC – Correção de erros do sujeito passivo – Indemnização por incumprimento contratual – Periodização do lucro tributável – Princípio do balanceamento

A Requerente apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral, com vista à obtenção da anulação parcial do ato de liquidação de IRC, referente ao exercício de 2015.

FACTOS

A Requerente é uma pessoa coletiva cujo objeto social consiste na gestão de participações noutras sociedades e da carteira de títulos, como forma indireta do exercício de atividades comerciais e industriais.

No âmbito da sua atividade, a Requerente celebrou um contrato com a sociedade B, no qual ficou acordado que (i) a sociedade B conferia à Requerente o direito de exercer a opção de compra de escória de alto forno para a produção de artefactos de cimento, sendo que, numa primeira fase, a opção de compra poderia atingir a quantidade de 360.000 toneladas/ano, com a possibilidade de ser aumentada para 720.000 toneladas/ano após a conclusão das obras, então em curso, para a expansão da unidade fabril de B; (ii) a Requerente poderia ceder o direito à escória de cimento a empresas do seu grupo; (iii) a Requerente poderia realizar negócios com terceiros, ou seja, a Requerente poderia ceder parte do seu direito de opção de compra de escória de alto forno, desde que o terceiro adquirisse o produto diretamente à sociedade B e, (iv) em caso de incumprimento, a sociedade B. teria que indemnizar a Requerente.

Em 2012, a Requerente celebrou com C um protocolo de intenções, no qual a Requerente transferiu, parcialmente, a C o direito de opção de compra de escória de alto forno contratado com a sociedade B. Porém, por questões de conveniência geográfica, a Requerente cedeu a posição contratual que detinha perante C à empresa sua relacionada D.

Posteriormente, a sociedade B veio a interromper o projeto de expansão da unidade fabril, deixando de ser possível à sociedade B garantir o fornecimento de 720.000 toneladas/ano de escória, conforme decorria do contrato elaborado entre as duas sociedades, o que levou a uma situação de impossibilidade de cumprimento do acordado com a Requerente, ficando esta constituída no direito a ser indemnizada por aquela.

O direito de a Requerente a ser indemnizada foi reconhecido pela sociedade B, pelo que, entre ambas, veio em Abril de 2015 a ser celebrado um “Termo de Encerramento e Quitação”, nos termos do qual a sociedade B se obrigou a pagar à Requerente uma indemnização avultada, sendo o pagamento realizado em quatro parcelas anuais, iguais e sucessivas.

Neste sentido, a Requerente reconheceu o pagamento da referida indemnização como rendimento contabilístico do período de 2015 e, por essa via, incluiu-o no lucro tributável do mesmo período.

Ainda, devido ao incumprimento do contrato celebrado com a sociedade B, a Requerente acordou pagar à sua participada D uma indemnização equivalente com vista a ressarci-la dos prejuízos em que iria incorrer por causa da impossibilidade de garantir à C o cumprimento da opção de compra da escória à sociedade B.

Contudo, tal indemnização seria satisfeita de duas formas: (i) uma parte por via de compensação com valores que, no decurso do ano de 2014, a primeira tinha entregue à segunda e (ii) a parte não compensada por essa via, através de pagamento a efetuar pela Requerente no prazo de 180 dias, a contar da data em que viesse a ser recebida da sociedade B a indemnização por rescisão do contrato.

A parte (ii) da indemnização foi paga em 2015 pela Requerente à D, tendo sido reconhecida como gasto contabilístico por registo na rubrica “Outros Gastos e Perdas”, sendo que, contudo, a Requerente não deduziu como gasto fiscal no apuramento do seu lucro tributável, uma vez que tal pagamento foi acrescido ao resultado líquido do período.

Posteriormente, com vista a eliminar os erros cometidos por si no preenchimento da declaração, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa prévia. Contudo, não tendo a Administração tributária se pronunciado sobre a mesma, no prazo de 4 meses, a Requerente, perante o indeferimento tácito, apresentou o presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

Já no âmbito do Pedido de Pronúncia Arbitral, a Administração tributária veio, por requerimento, comunicar que o objeto do Pedido de Pronúncia Arbitral foi parcialmente revogado, anulando o ato tributário na parte respeitante ao acréscimo indevido ao resultado líquido para efeitos de apuramento do resultado tributável individual da Requerente.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

A questão na qual se centra a controvérsia em causa no Decisão arbitral sob exame consiste em saber se o montante reconhecido contabilisticamente pela Requerente como gasto na conta “6858 – Gastos e perdas em subsidiárias” está ou não incluído o montante pago pela Requerente à D a título de indemnização e se tal indemnização pode ser considerada como gasto fiscal por enquadramento legal de “Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável”.

Para tal, o Tribunal considera necessário (i) avaliar se estão reunidas as condições de dedutibilidade do gasto, (ii) avaliar sobre a localização temporal do gasto em 2015, quando a indemnização foi paga à D em 2014, (iii) avaliar sobre as correções e/ou incorreções do reconhecimento e relato contabilísticos e dos correspondentes efeitos em matéria de apuramento do lucro tributável, (iv) avaliar se o risco do evento que determinou a indemnização é ou não segurável e (v) avaliar da quantificação da indemnização acordada entre a Requerente e a D.

Neste sentido, relativamente ao preenchimento dos requisitos de indispensabilidade de um gasto, considera o Tribunal que está cumprido o requisito, uma vez que a Requerente acordou, para si, com B a sua desoneração relativamente aos direitos de D e, portanto, o valor pago a título de indemnização à sua participada D é considerado um gasto fiscal.

De seguida, perante o argumento da Administração tributária de que «“(…) não pode tal lapso ser oponível à AT”, considerando que “Com efeito não cumpre à AT, que se encontra adstrita ao cumprimento do princípio da legalidade, nem ao Tribunal Arbitral, que nos termos do artigo 2.º, n.º 2 do RJAT decide “de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade” suprir os alegados erros contabilísticos”», entende o Tribunal que apesar de a lei estabelecer que no artigo 2.º, n.º 2 do RJAT que o Tribunal “está vedado o recurso à equidade suprir os alegados erros contabilísticos” e de na NCRF_4 apenas permitir que sejam corrigidos erros contabilísticos quando sejam materialmente relevantes, a verdade é que o Tribunal entende que nada disso impede que nos casos em que haja eventuais erros contabilísticos na passagem do resultado liquido para o lucro tributável não possam ser corrigidos até porque o contribuinte nestes casos tem ao seu dispor a impugnação da autoliquidação que se destina à correção, a seu favor, de erros que tenha cometido contra si, e que não exclui este mecanismo quando estejam em causa erros contabilísticos.

Mais, entende o Tribunal que “(..) tais erros nem sequer influenciaram o apuramento do resultado líquido do período, por isso que a Requerente não venha reivindicar a alteração deste, mas apenas de um acréscimo que processou no quadro 07 da declaração modelo 22”, concluindo, assim, que “Falece, portanto, a tese de que à AT e/ou ao Tribunal Arbitral está vedada a possibilidade de corrigir a favor da Requerente os eventuais erros que esta tenha praticado na contabilidade e que a tenham prejudicado em termos de apuramento do lucro tributável e do imposto, sejam eles os erros de relato (menção no Anexo de que tratava de “Perdas em inventários”) ou de erro de reconhecimento por troca de conta. E muito menos está vedada a correção daquilo que efetivamente a Requerente pretende, que é um eventual erro praticado na sua declaração de rendimentos modelo 22.”,

Quanto à questão da periodização, entende o Tribunal, por um lado, que o facto de a indemnização paga à D, na parte que está em causa, ter sido paga em 2015 é, de todo, irrelevante para localizar o gasto em 2015.

Por outro lado, considera o Tribunal que (…) a própria efetividade do pagamento à D ficou suspensa de haver recebimento da B.... E a prestação de serviços da Requerente à B. só terminou com o fim da negociação entre as duas, ou seja, em 15/04/2015”.

Neste sentido, o Tribunal chamou, ainda, à colação normas contabilísticas da Estrutura Concetual (EC) do Sistema de Normalização Contabilístico, no qual estabelece o “Princípio do Balanceamento”, que prevê que os réditos e os respetivos gastos devem contrapor na demonstração de resultados no mesmo período.

Assim, in casu considera o Tribunal que a “referida relação entre o gasto da indemnização paga à D... e o rendimento da indemnização recebida da B..., os dois devem ser reconhecidos na mesma demonstração de resultados.”, concluindo, assim, que “(…) nada consta do presente procedimento de arbitragem que permita concluir que a indemnização a receber pela Requerente da B... pudesse ser mensurada com fiabilidade no final de 2014 ou até à data de encerramento das respetivas contas, pelo que o reconhecimento do respetivo rédito em 2015 se afigura correto. Tudo visto, não procede o argumento de que das regras de periodização do lucro tributável, mormente do art.º 18.º do CIRC, decorra a irregularidade da imputação do gasto a 2015.”

Quanto à cobertura do risco da eventual obrigação de indemnizar por contrato de seguro, entende o Tribunal que “tendo em conta o contexto da realidade factual assente, seja o direito de a Requerente ser indemnizada pela B... ou a sua obrigação de indemnizar a D... tanto poderiam decorrer da decisão de a B... suspender a decisão de construção do segundo alto-forno como de uma variedade de outros atos da B..., inclusive a simples decisão de romper o acordo. Está assim em causa uma obrigação de indemnizar que pode decorrer de uma decisão isolada de uma entidade terceira, de índole eminentemente subjetiva, que não está necessariamente associada a causas objetivas de efeitos estatisticamente controláveis, pelo que se afigura que se trata de evento cujo risco não é segurável em termos dos propósitos correntes das entidades seguradoras”, concluindo, assim, que “(…) não se pode concluir pela recusa da dedutibilidade fiscal da indemnização em causa.”.

Por fim, quanto às dúvidas sobre o processo de quantificação da indemnização paga à D, entende o Tribunal que, apesar de a Administração tributária ter levantado o referido problema, a verdade é que “não sugeriu qualquer quantificação alternativa, sendo certo que nunca sustentou que não seria devida qualquer indemnização” , pelo que “não haverá razões que determinem a rejeição da quantificação efetuada pela Requerente”, até porque, como analisado, “A Requerente aparece a beneficiar significativamente com o seu envolvimento nos negócios entre as partes envolvidas; ganhou 8.307.282,78 euros ( a diferença entre 17.700.603,80 e 9.393.321,02).”.

Em face do exposto, entende o Tribunal julgar procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral, determinando a anulação parcial do ato de liquidação de IRC, no que se refere ao acréscimo do remanescente da indemnização paga pela Requerente à Sociedade D.

3.
NÚMERO DO PROCESSO: 833/2021-T
DATA: 6 de junho de 2022
ASSUNTO: IVA – Taxa reduzida – Falta de repartição de taxas em faturas – Sumos – Serviços de restauração 

A Requerente apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral com vista à obtenção da declaração de ilegalidade de liquidações adicionais de IVA e, bem assim, à condenação da Administração tributária ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de Juros Indemnizatórios.

FACTOS

A Requerente, pessoa coletiva, tem por objeto social a atividade de hotelaria, restauração e eventos, integrando o grupo de hoteleiros B e no âmbito do qual explora o estabelecimento comercial C de 5 estrelas.

No âmbito da sua atividade, a Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo, tendo a Administração tributária procedido a correções em sede de IVA relativamente aos (i) valores faturados a clientes atinentes ao seu não comparecimento no caso de reservas de estadias confirmadas, (ii) os pequenos-almoços faturados à taxa intermédia de 13% e (iii) sumos naturais, faturados à taxa intermédia de 13%.

Posteriormente, e após o exercício do seu direito de audição prévia, a Requerente foi notificada do Relatório Final, no qual foram mantidas as correções propostas no Projeto de Relatório.

Assim, e em conformidade com o Relatório Final, a Requerente veio a ser notificada dos atos de liquidação adicionais de IVA.

Inconformada com os atos de liquidação, a Requerente apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral contra os mencionados atos.  

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada e não provada e elencadas as posições das partes, o Tribunal começou por analisar as desconformidades das liquidações invocadas pela Requerente. 

Quanto à questão dos valores faturados a clientes relativos ao seu não comparecimento após reserva, refere o Tribunal que, nestes casos, existem (i) situações de cancelamento antecipado (dentro do prazo para cancelamento previamente acordado) e (ii) situações em que não há esse cancelamento, mas o cliente não comparece no dia marcado para o início da estadia.

Neste sentido, entende o Tribunal, com base no acórdão de 18-07-2007, Sociéte Thermale d’ Eugénie-les-Brains, processo n.º 277/05, que, relativamente à primeira situação (cancelamento antecipado), a quantia que foi paga previamente tem natureza de sinal, “«sem nexo direto com qualquer serviço prestado a título oneroso», pelo que não é de considerar como “prestação de serviços”, para efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do CIVA.”.

Contudo, relativamente à segunda hipótese (em que não há cancelamento, mas o cliente não comparece), entende o Tribunal que “o mesmo já não sucede com a faturação da primeira noite, nos casos de não comparência dos clientes nas datas reservadas, sem cancelamento prévio, pois, como resulta da prova produzida, nestas situações a Requerente desenvolve uma atividade especificamente destinada a assegurar as condições do quarto reservado, idêntica à que desenvolve quando o cliente comparece. Para o efeito da referida jurisprudência do TJUE, nestes casos de não comparência o montante pago relativo à primeira noite da estadia é “uma contrapartida efetiva de um serviço individualizável fornecido no âmbito de uma relação jurídica em que se trocam prestações recíprocas. O pagamento tem, assim, caráter remuneratório de um serviço efetivamente prestado, que é o fornecimento de um quarto preparado para a estadia.”.

Assim, nestas situações de não comparência dos clientes sem prévio cancelamento, conclui o Tribunal que estamos perante “prestações de serviços” para efeitos do CIVA, pelo que é correto o entendimento adotado pela Administração tributária no Relatório da Inspeção Tributária.

Contudo, a Requerente defende, ainda, que as liquidações que assentam sobre a faturação a título de “no show” violam os princípios do inquisitório, da cooperação e da descoberta da verdade material, na medida em que a Administração tributária não procedeu à separação das situações que são de cancelamento prévio e quais as que são de não comparência sem aviso prévio.

Com efeito, relativamente a esta questão, entende o Tribunal que “a Autoridade Tributária e aduaneira deveria ter diligenciado no sentido de apurar quais as situações de cada um dos tipos que estão subjacentes a cada fatura a título de “no show”, pois, como “resulta da prova produzida na reunião que a Requerente até tinha possibilidade de informar, com base na sua contabilidade, a que tipo de situação respeitava cada factura, pelo que pertinência de diligências no sentido de apurar essa matéria é clara e, consequentemente, ocorreu vício procedimental com potencialidade para influenciar as liquidações relativas a essas facturas”, concluindo, assim, que “justifica-se a anulação das liquidações, nas partes em que se referem à faturação efetuada a título de “no show”.”.

Quanto à faturação dos sumos naturais à taxa intermédia de 13%, entende a Administração tributária que os sumos de frutas naturais comercializados pela Requerente estão sujeitos à taxa normal de IVA, porque, em suma, a verba 3.1. da lista II anexa ao CIVA exclui os sumos de qualquer tipo, independente da forma como são obtidos/produzidos.

Neste sentido, entende o Tribunal que efetivamente a verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA inclui na lista de prestações de serviços sujeitas a taxa intermédia as prestações de serviços de alimentação de bebidas, com exclusão das bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias, pelo que afigura-se inquestionável que todas as prestações de serviços de bebidas que sejam sumos estão excluídas da aplicação da taxa intermédia, pelo que se lhe aplica a taxa normal.

Mais refere o Tribunal que “tendo os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD de decidir de acordo com o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2 do RJAT), o afastamento da sua aplicação só pode ter lugar se essa norma for inválida, designadamente por incompatibilidade com norma ou princípio de direito da União Europeia ou com a Constituição da República Portuguesa.”. Assim, quanto à compatibilidade da verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA com o Direito da União Europeia, entende o Tribunal que “(…) o legislador nacional podia, sem violar o Direito da União, fixar taxas reduzidas para serviços de restauração, mantendo a taxa normal para os serviços de fornecimento de sumos.” E, portanto, atuando o legislador “(…) no âmbito da discricionariedade legislativa, que lhe foi reconhecida pelo ponto 12-A do anexo III da Diretiva n.º 2006/112/CE, e dentro dos limites neste diploma definidos. (…) a verba 3.1. da Lista II anexa o CIVA não é invalida por incompatibilidade com o Direito da União Europeia.”.

Já relativamente à compatibilidade da verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA com os princípios constitucionais da igualdade, da livre concorrência e da capacidade contributiva, entende a Requerente que “a discriminação entre comidas e bebidas, para efeitos de aplicação das taxas de IVA, «violaria ainda os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade tributária, ao conduzir a uma penalização fiscal maior de exteriorização de iguais capacidades contributivas. Sem razões extrafiscais que possam legitimar. E em simultâneo, falseando a concorrência.»”.

Neste sentido, entende o Tribunal que a Requerente não tinha razão e que não há discriminação entre a comida e bebida, uma vez que “O princípio da tributação com base na capacidade contributiva, no âmbito dos impostos sobre o consumo, é decorrência do princípio da igualdade, pois não está especificamente previsto no artigo 104.º, n.º 4 da CRP, que estabelece as diretrizes constitucionais sobre este tipo de impostos.”  Mais, “este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objetiva e racional.”.

Por fim, entende o Tribunal que “o facto de no Considerando 3 da Diretiva 2009/47/CE se dizer que «no tocante ao fornecimento de bebidas alcoólicas e/ou não alcoólicas no âmbito dos serviços de restauração e de catering, pode justificar-se dar a essas bebidas um tratamento diferente do previsto no âmbito do fornecimento de produtos alimentares» e o facto de expressamente se autorizar no ponto 12-A, que aquela Diretiva aditou à Diretiva n.º 2006/112/CE, que os Estados-Membros não deem ao fornecimento de bebidas o mesmo tratamento que for dado aos restantes serviços de restauração não deixam margem para dúvidas de que, para este efeito, as situações de fornecimento de comidas não tem necessariamente de considerar-se idênticas às de fornecimento de bebidas, de qualquer tipo, mesmo que estas sejam preparadas com base em frutos que também podem ser objeto de prestação de serviços de restauração sendo fornecidos como comida.”.

Assim, considera o Tribunal que não tendo o princípio da igualdade e da tributação com base na capacidade contributiva valor absoluto, não existem obstáculos constitucionais a que o seu alcance seja limitado tendo em vista a prossecução de outros valores constitucionalmente protegidos.

E, portanto, não sendo inconstitucional o tratamento diversificado em sede de taxas de IVA que é dado à fruta fornecida em serviços de restauração como comida e como bebida, conclui o Tribunal pela improcedência do pedido quanto à questão da tributação dos sumos.

Por fim, quanto à questão da faturação dos pequenos-almoços e brunchs à taxa intermédia de 13%, refere o Tribunal que “a prestação de serviços de alimentação e bebidas está, em geral, sujeita à taxa intermédia, com exclusão das bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias.” No entanto, considera que “«quando o serviço incorpore elementos sujeitos a taxas distintas para a qual é fixado um preço único» (situação prevista na 2.º parte da referida verba 3.1.) e o valor tributável não seja repartido pelas várias taxas, «é aplicável a taxa mais elevada à totalidade do serviço» (parte final da verba 3.1.).”.

Neste sentido, considera o Tribunal que “embora a Requerente tivesse afirmado no exercício do direito de audição relativamente ao Projeto de Relatório da Inspeção Tributária que nos pequenos-almoços referidos não se incluem bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares ou águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias (artigo 37.º), acabou por reconhecer que «quando estas bebidas são servidas aos clientes dos pequenos-almoços, uma de duas situações pode ocorrer: as mesmas são faturadas separadamente e é liquidado IVA nos termos gerais, ou a bebida é servida ao cliente como oferta.».”

Assim, não tendo a Requerente apresentado qualquer prova de que, efetivamente, tenha ocorrido faturação separada das bebidas em pequenos-almoços, o Tribunal, com base nas regras da experiência, conclui que “ (…) é irrelevante que não tenham sido apuradas as situações em que ocorreu efetivamente consumo de bebidas dos tipos sujeitos à taxa normal, pois o que releva para afastar a aplicação da taxa intermédia é a inclusão do valor dessas bebidas sujeitas a taxa normal no preço fixo do serviço, o único que é cobrado a cada cliente pelo serviço global de excelência que é prestado.

Mais acrescenta o Tribunal que, pelo facto de não terem sido apuradas as situações em que ocorrem ou não efetivamente o consumo dessas bebidas, o mesmo não implica a violação dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, pois o que releva para efeito da verba 3.1. é a inclusão do valor das bebidas que forem consumidas por cada cliente no preço fixo do serviço.

Quanto aos brunchs, entende o Tribunal que “(…) a Administração tributária tem razão quanto à aplicação da tributação à taxa normal à faturação de brunchs, pois no preço fixo incluem-se bebidas dos tipos indicados como sujeitos à aplicação da taxa normal. Por isso, está-se perante uma situação enquadrável na 2.ª parte daquela verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA, sendo nestes casos essa taxa aplicada à totalidade das respetivas facturas, por força da parte final desta norma, já que não houve repartição nas faturas dos elementos incorporados no serviço sujeitos a taxas distintas.”.

Conclui, assim, o Tribunal que “Estando essas bebidas previstas no menu de brunchs e, por isso, incluídas no preço único respetivo, é forçoso concluir que se está perante um tipo de serviço que incorpora essas bebidas e para qual é fixado um preço único, enquadrável na 2.ª parte da verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA.”

Quanto à questão da inconstitucionalidade, entende o Tribunal que “a questão que se coloca é a de saber se a exigência de facturação que esclareça quais os elementos incorporados num serviço que é fornecido com um preço único é ou não justificada”. Neste sentido, considerou o Tribunal que” Afigura-se que essa exigência não é justificada, pois é necessária para assegurar com eficiência o controlo pela Administração Tributária do cumprimento das regras de tributação em IVA, e nem sequer é apreciavelmente onerosa para as empresas que prestam, serviços de hotelaria, uma vez que, não se afigura desproporcionada a aplicação da taxa normal, que é uma consequência adequada para situações em que os contribuintes não esclarecem na facturação quais são os elementos que integram esse serviço que beneficiam de uma taxa reduzida.”

Desse modo, entende o Tribunal julgar parcialmente procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral, determinando a anulação das liquidações de IVA nas partes em que têm como pressupostos as correcções relativas a «no shows», com a consequente restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.

Lisboa, 23 de janeiro de 2023

Rogério M. Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
João Mário Costa
Rita Sousa
José Pedro Barros
Carolina Mendes
Patrícia da Conceição Duarte
Inês Braga Reigoto 

(Tax litigation team)

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