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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (3º Trimestre de 2024)

24 October 2024
Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (3º Trimestre de 2024)
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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (3º Trimestre de 2024)

24 October 2024

Pretende-se, com a presente Informação Fiscal, apresentar uma síntese Trimestral dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) relacionados com o domínio da Fiscalidade, analisando, caso a caso, o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter, do ponto de vista nacional.

1.
NÚMERO DO PROCESSO: C 182/23
NOME: Dyrektor Krajowej Informacji Skarbowej contra J.S
DATA: 11 de julho de 2024
ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 2.º, n.º 1, alínea a) — Artigo 9.º, n.º 1 — Artigo 14.º, n.º 2, alínea a) — Entrega de bens tributável — Transmissão, mediante pagamento de uma indemnização, da propriedade de um terreno agrícola em virtude de uma decisão da autoridade pública — Expropriação

FACTOS

J.S. é um agricultor que gere uma exploração agrícola na qual exerce a atividade de criação de vacas leiteiras e, bem assim, de produção de leite desde 2001, encontrando-se registado enquanto sujeito passivo de IVA desde janeiro de 2013.

No âmbito da sua atividade, o agricultor adquiriu, em 2003 e em 2015, parcelas de terreno destinadas a aumentar a referida exploração da atividade, não tendo sujeitado a imposto a aquisição daqueles bens imóveis.

Por decisão de 6 de março de 2017 da Administração pública, a propriedade de uma parte das parcelas de terreno foi transferida para o Tesouro Público da Polónia, para a realização de investimentos rodoviários, tendo a primeira dado início a um procedimento de determinação da indemnização devida a J.S.

Neste contexto, J.S. apresentou à Administração tributária polaca um pedido de informação vinculativa a fim de determinar, por um lado, se devia ser considerado sujeito passivo de IVA face à venda das parcelas de terreno adquiridas pelo Tesouro Público para a realização de investimentos rodoviários e, por outro, se a indemnização recebida a esse título devia ficar sujeita a imposto.

Na informação vinculativa, a Administração tributária entendeu que a transferência, por via de expropriação, da propriedade de parcelas de terreno ao Tesouro Público, para a realização de investimentos rodoviários, devia ser considerada uma entrega de bens efetuada a título oneroso por J.S., agindo na qualidade de entidade que exerce uma atividade económica, ou seja, enquanto sujeito passivo de IVA.

Neste sentido, J.S. contestou a interpretação da Administração tributária no Tribunal Administrativo do Voivodato de Varsóvia, Polónia, que anulou, por Acórdão, a referida informação vinculativa por considerar, no essencial, que a expropriação não estava ligada à atividade agrícola daquela sociedade e, por conseguinte, aquele não tinha agido como sujeito passivo de IVA quando as parcelas de terreno em causa foram transferidas para o Tesouro Público.

Por seu turno, a Administração Tributária interpôs recurso do Acórdão para o Supremo Tribunal Administrativo polaco, o órgão jurisdicional de reenvio, alegando, no essencial, que a aquisição, por via de expropriação, das parcelas de terreno estava ligada ao exercício profissional de uma atividade económica desenvolvida por J.S., que consistia na exploração daquelas parcelas de terreno no âmbito da sua atividade agrícola.

Em suma, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que a resolução do litígio que lhe foi submetido depende da questão de saber se a transferência da propriedade de um bem imóvel por via de uma expropriação a favor do Tesouro Público, para efeitos da construção de estradas públicas, deve ser considerada uma entrega de bens efetuada por um sujeito passivo que exerce uma atividade económica, pelo facto de esse sujeito passivo ter utilizado o referido bem imóvel no âmbito da sua atividade económica agrícola.

Neste contexto, o Supremo Tribunal Administrativo polaco decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
“As disposições do artigo 9.o, n.o 1, conjugadas com o artigo 14.o, n.o 2, alínea a), da [Diretiva IVA], opõem se a que um agricultor, que é um sujeito passivo de IVA ao abrigo das regras gerais, que transfere o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno para o [Tesouro Público], mediante pagamento de uma indemnização devido à alteração da sua afetação para fins não agrícolas, seja considerado um sujeito passivo obrigado a declarar o IVA relativo a essa entrega, pelo simples facto de essa parcela ter sido utilizada para uma atividade agrícola sujeita a IVA?”

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O Tribunal de Justiça começou por referir que estão sujeitas a IVA as entregas de bens efetuadas a título oneroso, no território de um Estado Membro, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

Neste contexto, e nos termos da Diretiva IVA, o Tribunal de Justiça salientou que o conceito geral de “entrega de bens”, previsto na Diretiva IVA, exige a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.

Em específico, a Diretiva IVA prevê que é igualmente considerada como entrega de bens a transmissão da propriedade de um bem, mediante pagamento de uma indemnização, em virtude de ato das autoridades públicas ou em seu nome, ou por força da lei.

Para esse efeito, o Tribunal de Justiça referiu que o conceito de “entrega de bens” exige, assim, o preenchimento de três requisitos cumulativos: (i) a transferência do direito de propriedade; (ii) a transferência tem de ser efetuada em virtude de um ato das autoridades públicas ou em seu nome, ou por força da lei; e (iii) tem de ser paga uma indemnização.

No caso em apreço, o Tribunal de Justiça reconheceu a verificação daqueles três requisitos, em específico que o pagamento da indemnização, ligada à transferência da propriedade das parcelas de terreno agrícola para o Tesouro Público, foi efetivamente concretizado.

Verificada a entrega de bens no caso em apreço, o Tribunal de Justiça confirmou, para efeitos da aferição do “título oneroso” da entrega de bens, que o simples recebimento, pelo sujeito passivo, de uma indemnização basta para que esteja preenchido o critério da onerosidade.

Por último, e no que concerne ao conceito de “sujeito passivo agindo nessa qualidade”, o Tribunal de Justiça viria a considerar que à data da transferência da sua propriedade para o Tesouro Público, as parcelas de terreno agrícola em causa eram um elemento do ativo da empresa de J.S., tendo esta agido como sujeito passivo ao transferir a propriedade das parcelas, afetas à sua atividade económica, mesmo que não exerça uma atividade de comercialização imobiliária e não tenha encetado nenhuma diligência para o efeito.

O Tribunal de Justiça deixou, ainda, à consideração do órgão jurisdicional de reenvio, a possibilidade de J.S. não ter agido na qualidade de sujeito passivo e, bem assim, que a referida operação não está sujeita a IVA, na eventualidade de entender que a operação em causa no processo principal foi realizada por J.S. no âmbito da gestão de parte do seu património, não afeta à exploração agrícola.

DECISÃO

O Tribunal decidiu que a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que uma operação de transferência, por via de expropriação, da propriedade de parcelas de terreno agrícola mediante pagamento de uma indemnização ao proprietário desse terreno deve estar sujeita a IVA quando este proprietário seja um agricultor sujeito passivo de IVA e que age nessa qualidade, mesmo que não exerça nenhuma atividade de comercialização imobiliária e não tenha encetado nenhuma diligência com vista a essa transferência.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS

A presente decisão contribui para clarificar as regras tributárias nacionais relativas à incidência de IVA nas indemnizações.

2.
NÚMERO DO PROCESSO: C 179/23
NOME: Centrul Român pentru Administrarea Drepturilor Artiștilor Interpreți (Credidam) contra Guvernul României e Ministerul Finanțelor
DATA: 04 de julho de 2024
ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Operações tributáveis — Prestação de serviços a título oneroso — Comissão de gestão cobrada por uma organização de gestão coletiva de direitos de autor e direitos conexos para a cobrança, a distribuição e o pagamento das remunerações devidas aos titulares de direitos — Remunerações que não fazem parte de uma operação tributável

FACTOS

O Credidam é uma organização de gestão coletiva de direitos de autor e direitos conexos que exerce a sua atividade sob a forma de uma associação de artistas intérpretes, procedendo à cobrança e à distribuição das remunerações devidas aos artistas intérpretes pelos utilizadores das suas prestações artísticas.

Pela sua atividade, a Credidam recebe uma comissão de gestão destinada a cobrir as suas despesas de funcionamento, que é retida sobre essas remunerações.

Em 20 de julho de 2018, o Credidam interpôs no Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia, um recurso contra o Governo Romeno, solicitando a anulação da Decisão do Governo n.o 354/2018 que altera e completa as modalidades de aplicação do Código Tributário, na parte em que esta integrou disposições que preveem, nomeadamente, que as remunerações por cópia privada recebidas pelas organizações de gestão coletiva por conta dos titulares de direitos não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA, mas que as comissões de gestão retidas por essas organizações sobre as remunerações estão sujeitas a este imposto.

Por Sentença de 21 de maio de 2019, o Tribunal de Recurso de Bucareste deu provimento ao recurso interposto pelo Credidam e anulou as disposições impugnadas, mediante o entendimento de que as comissões de gestão dos organismos de gestão são acessórias às remunerações dos titulares de direitos sobre as quais são retidas, pelo que, quando essas remunerações não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva IVA, como a remuneração por cópia privada, o mesmo deve acontecer com as comissões de gestão correspondentes.

O Governo romeno e o Ministério das Finanças interpuseram recurso para o Tribunal Superior de Cassação e Justiça romeno, o órgão jurisdicional de reenvio, alegando que as disposições impugnadas identificaram corretamente as operações das organizações de gestão coletiva sujeitas a IVA, nomeadamente no que respeita às comissões de gestão.

Por seu turno, o Credidam alegou que as comissões de gestão retidas sobre remunerações que não estão sujeitas a IVA por não estarem abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva IVA, dado que essas comissões têm caráter acessório em relação às remunerações.

Face ao exposto, o órgão jurisdicional de reenvio questionou se, admitindo que a comissão de gestão retida pela organização de gestão constitui a contrapartida de uma operação distinta da operação que consiste em cobrar a remuneração devida ao titular de direitos, a primeira operação tem, em relação à segunda, caráter autónomo ou caráter acessório.

Nestas condições, o Tribunal Superior de Cassação e Justiça decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
“1) A atividade das organizações de gestão coletiva de cobrança, distribuição e pagamento da remuneração, que tem como contrapartida a comissão recebida por essas organizações, constitui uma prestação de serviços, na aceção do artigo 24.o, n.o 1, e do artigo 25.o, alínea c), da [Diretiva IVA], aos titulares de direitos de autor ou de direitos conexos?
2) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, a atividade das organizações de gestão coletiva relativamente aos titulares dos direitos constitui uma prestação de serviços na aceção da Diretiva IVA mesmo no caso de se considerar que os titulares dos direitos, por conta dos quais as referidas organizações de gestão coletiva recebem a remuneração, não efetuam uma prestação de serviços aos utilizadores obrigados a pagar a remuneração?”

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O Tribunal de Justiça começou por reconhecer, no caso em apreço e segundo as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, por um lado, que a organização de gestão coletiva em causa, o Credidam, efetua, em benefício dos titulares de direitos que representa, prestações de gestão ao abrigo do regime de gestão coletiva obrigatória, entre as quais as que se referem ao “direito à remuneração compensatória por cópia privada”, que incluem a cobrança, a distribuição e o pagamento dos montantes devidos aos autores ou aos titulares de direitos de autor ou de direitos conexos a título dos seus direitos.

Por outro lado, o Tribunal de Justiça reconheceu que os titulares de direitos são devedores, perante a organização de gestão coletiva, de uma comissão de gestão fixada em 15% – no máximo – dos montantes cobrados, que se destina a cobrir todas as despesas decorrentes do funcionamento da organização de gestão coletiva, da cobrança, da distribuição e do pagamento das remunerações e que é retida no momento da distribuição dos montantes devidos.

Neste contexto, o Tribunal de Justiça considerou a constituição de uma relação jurídica, estabelecida entre a organização de gestão coletiva em causa e os titulares de direitos que representa, no âmbito da qual são trocadas prestações recíprocas e, bem assim, que ficou estabelecido um nexo direto entre as prestações de gestão coletiva fornecidas por essa organização e a prestação monetária efetuada por esses titulares, consubstanciadas no pagamento da comissão de gestão.

Com efeito, esta comissão só é devida, nas palavras do Tribunal de Justiça, na medida em que essas prestações de gestão coletiva sejam efetuadas e constitua a sua contrapartida efetiva.

O Tribunal de Justiça considerou, no entanto, como irrelevante o facto de a organização de gestão coletiva em causa ser uma associação sem fins lucrativos, destinando se a comissão de gestão apenas a cobrir as despesas dessa associação, mais entendendo que operações de gestão coletiva como as que estão em causa no processo principal devem ser qualificadas de prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, na aceção da Diretiva IVA.

Em segundo lugar, e apesar de salientar que a Diretiva IVA prevê regras de incidência de imposto para quando um sujeito passivo participe numa prestação de serviços agindo em seu nome mas por conta de outrem, situação em que se considera que recebeu e forneceu pessoalmente os serviços em questão, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que essa disposição não é aplicável, porquanto os titulares de direitos, no caso em apreço, não efetuaram uma prestação de serviços na qual a organização de gestão coletiva tenha participado.

Atendendo à realidade económica e comercial da atividade no caso em apreço, só existem, para efeitos da Diretiva IVA, as prestações de serviços fornecidas diretamente aos titulares de direitos pela organização de gestão em causa, que consistem na cobrança, na distribuição e no pagamento das remunerações em causa no processo principal e das quais a comissão de gestão constitui a contrapartida efetiva.

O facto de tais prestações implicarem a cobrança, junto dos utilizadores e por conta desses titulares de direitos, de remunerações decorrentes de uma relação jurídica entre essas partes, que não dá origem, enquanto tal, a operações tributáveis e, nomeadamente, a prestações de serviços, na aceção da Diretiva IVA e de, por conseguinte, serem consideradas como “acessórias” à realização de operações não sujeitas a IVA, não pode retirar às referidas prestações, efetuadas pela organização de gestão coletiva, o seu caráter tributável para efeitos de IVA.

Daqui resulta que aquelas operações de cobrança de remunerações não tributáveis não podem ser qualificadas de “atividade económica” para efeitos da Diretiva IVA e, por conseguinte, não estão abrangidas pelo seu âmbito de aplicação.

Nestas circunstâncias, uma vez que essas operações não são contempladas pela Diretiva IVA, não podem ser tidas em conta para pôr em causa o caráter tributável de outra operação relativamente à qual é pacífico que constitui uma prestação de serviços efetuada a título oneroso, na aceção da referida diretiva, na falta de fundamento previsto para esse efeito na mesma diretiva.

DECISÃO

O Tribunal decidiu que a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que uma organização de gestão coletiva de direitos de autor e direitos conexos efetua uma prestação de serviços quando, por um lado, cobra, distribui e paga, por força da lei, aos titulares de direitos as remunerações que lhes são devidas pelos utilizadores definidos por lei e, por outro, retém sobre essas remunerações uma comissão de gestão que lhe é devida por esses titulares e que se destina a cobrir os encargos ocasionados por essa atividade, na hipótese de as remunerações assim cobradas por conta dos referidos titulares não constituírem a contrapartida de prestações de serviços, na aceção desta diretiva, efetuadas pelos mesmos titulares em benefício desses utilizadores.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS

A presente decisão contribui para clarificar as regras respeitantes à incidência objetiva de IVA.

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Rogério M. Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Álvaro Silveira de Meneses
Miriam Campos Dionísio
João de Freitas Jacob
José Nuno Vilaça
Joana Fidalgo Barreiro

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