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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas (1º Trimestre de 2022)

13 January 2023
Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas (1º Trimestre de 2022)
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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas (1º Trimestre de 2022)

13 January 2023

SUMÁRIO

Pretende-se, com a presente informação, apresentar uma síntese dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Contas – à semelhança do que fazemos em relação às decisões do Centro de Arbitragem Administrativa e, também, do Tribunal de Justiça da União Europeia – descrevendo os factos, a apreciação do Tribunal, a respetiva decisão e analisando, ainda, qual o impacto que a mesma pode ter na determinação das condutas a adotar pela Administração Pública.

Mantêm-se, assim, as nossas Informações periódicas, também em matéria de Finanças Públicas, Direito Financeiro e Orçamental e de Contabilidade Pública.

1.
N.º DO ACÓRDÃO: 01/2022
RELATOR:Conselheira Sofia David
DATA: 4 de janeiro de 2022
ASSUNTO:Manifesta simplicidade das prestações (artigo 42, n.º 2 do CCP); Manifesta simplicidade dos trabalhos (artigo 135.º, n.º 2 do CCP).

ENQUADRAMENTO

Em causa no presente processo está a decisão de não concessão de visto aos contratos de “Empreitada de obras de manutenção em escolas EB e JI.” celebrados, em 2020, entre o Município de Lisboa (ML) e as diversas construtoras.

Os referidos contratos foram celebrados na sequência de um estudo elaborado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) no âmbito do Programa Escola Nova, sobre o estado de conservação das escolas do Município de Lisboa e da conclusão, após vistoria, pela necessidade urgente de se proceder a uma manutenção corretiva e preventiva dos respetivos equipamentos, ao invés de se proceder a uma beneficiação geral.

Face à impossibilidade de contabilização dos trabalhos de manutenção e de previsão, com antecedência e com exatidão, das respetivas quantidades, o Município de Lisboa decidiu recorrer ao modelo que se designa como “Empreitadas para a execução de trabalhos prioritários e urgentes” (ETPU).

Ora, tais contratos foram antecedidos de concurso público com publicação no JOUE, o qual teve como critério de adjudicação a da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade da avaliação do preço enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar.

Quando sujeitos a fiscalização prévia, o Tribunal a quo, decidiu recusar visto com base no entendimento de que nos contratos em apreço não estavam em causa meras aquisições de prestações de “manifesta simplicidade”, uma vez que o tipo de contrato e os tipos de trabalhos não podiam ser enquadrados neste conceito, pelo que, inexistindo um projeto de execução, leva a que os referidos contratos sejam nulos.

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL

Tendo em consideração a situação fática exposta, o Tribunal centrou a questão decidenda em aferir se os trabalhos previstos nos contratos de “Empreitada de obras de manutenção em escolas EB e JI” são ou não enquadráveis no conceito de “manifesta simplicidade”.

Neste sentido, o Tribunal começou por definir que o caderno de encargos é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato e, como tal devem, por regra, conter todas as prescrições técnicas, financeiras ou jurídicas, ou outras, relativas à obra a executar.

Contudo, o legislador previu que em certas situações, a entidade adjudicante possa não incluir todas as especificações técnicas, financeiras ou jurídicas, havendo, assim, uma flexibilização das indicações constantes das cláusulas do caderno de encargo, uma vez que tal flexibilização não prejudicará a concorrência ou a comparabilidade das propostas.

Assim, a legalidade da flexibilização das indicações constantes das cláusulas do caderno de encargos depende das seguintes circunstâncias: (i) de existir uma “manifesta simplicidade das prestações que constituem o objeto do contrato”; (ii) da garantia de que as cláusulas do caderno de encargos fixam as especificações técnicas essenciais à execução do contrato; e (iii) da garantia de que a cláusula do caderno de encargo se mantém a indicar os “aspetos essenciais da execução” do contrato, “tais como o preço ou o prazo”.

Neste sentido, relativamente ao primeiro ponto “manifesta simplicidade das prestações que constituem o objeto do contrato”, entendeu o Tribunal que, in casu, a distinção que o Município de Lisboa faz dos conceitos de “manifesta simplicidade das prestações” utilizado no artigo 42.º, n.º 2 do CCP e o conceito de “manifesta simplicidade dos trabalhos” utilizado no artigo 135.º, n.º 2 do CCP, para afastar a jurisprudência que este Tribunal de Contas já desenvolveu sobre este conceito não é aqui relevante, uma vez que a diferença terminológica legal, não visa abarcar circunstâncias diferentes mas, sim, referir-se à simplicidade das prestações que derivam do contrato celebrado.

Ou seja, segundo o Tribunal, nos casos de “manifesta simplicidade das prestações” o legislador pretendeu flexibilizar o projeto de execução, permitindo que no caderno de encargos se faça uma “mera fixação de especificações técnicas e uma referência a outros aspetos essenciais da execução desse contra, tais como o preço ou o prazo”. Já nos casos de “manifesta simplicidade dos trabalhos”, o legislador pretendeu uma redução do prazo mínimo de 14 dias para 6 dias para apresentação das propostas em concursos públicos sem publicidade internacional.

Concluindo, assim, o Tribunal por referir que a intenção do legislador em ambas as situações de “manifesta simplicidade” visa é a possibilidade de as entidades adjudicantes, omitirem certas exigências ou formalidades, porquanto a sua dispensa não irá trazer nenhum prejuízo para o procedimento, para os concorrentes, para os demais intervenientes ou para a contratação.

Neste sentido, considera o Tribunal que “para a integração deste conceito mantém-se válidos os critérios já fixados pela jurisprudência deste Tdc. Mas esses critérios têm de ser olhados considerando o bem jurídico que se quer proteger quando se procede a essa integração. Assim, uma vez salvaguardado esse bem jurídico, isto é, salvaguardadas as regras técnicas, financeiras e jurídicas essenciais à regulação e à própria compreensão pelos concorrentes dos termos do contrato, poderá este Tdc interpretar aquele conceito legal de forma não demasiado restrita e como equivalendo a uma «menor complexidade e especificidade do contrato adjudicado.»”

Assim, entendeu o Tribunal que “a menor complexidade e especificidade do contrato adjudicado" se deve referir a todos os aspetos contratuais, incluindo os de cariz jurídico, financeiro ou administrativo e que, portanto, ao conceito de “manifesta simplicidade das prestações que constituem o objeto do contrato” é necessário ter em consideração o tipo de trabalhos, o valor e o prazo de execução dos contratos.

Relativamente ao tipo de trabalhos a desenvolver nas empreitadas em questão, considerou o Tribunal que o entendimento do Município de Lisboa, de que estamos perante trabalhos de manifestamente simples, não está correto, uma vez que, por um lado, nem todos os trabalhos podem ser considerados simples e muito simples em termos de obras de construção civil, havendo alguns trabalhos de média complexidade e, porque, como se pode constar na própria lista de trabalhos a entidade adjudicante elenca 1250 diferentes prestações ou trabalhos. Por outro lado, em termos espaciais e temporais, também não estamos perante trabalhos de manifesta simplicidade, dado que os trabalhos se irão realizar em várias escolas, geograficamente separadas e que os respetivos contratos têm uma duração de 3 anos, o que na perspetiva do Tribunal “requer aos empreiteiros que se mantenham aptos a fornecer todos os trabalhos contratados, para os indicados locais, durante esse período de 3 anos.”.

E, portanto, “a temporalidade dilatada dos contratos, aliada à grande diversidade dos trabalhos, implicará necessariamente uma certa complexidade na execução das obras contratas.”

Assim, considerou o Tribunal que no caso em apreço “não está garantida a fixação pelo CE de todas as especificações técnicas essenciais à execução dos contratos”, pois, “as presentes empreitadas exigiam que se apresentasse, à partida, em sede de CE – ainda que para uma parte residual dos trabalhos, que corresponderão às obras de média complexidade – um projeto de execução.”

Concluindo, que nos presentes autos não se verificava a “manifesta simplicidade das prestações”.

Já relativamente ao segundo requisito, da “garantia de que as cláusulas do caderno de encargos fixem as especificações técnicas essenciais à execução do contrato”, considerou o Tribunal que não se encontrava verificado tal requisito uma vez que, por um lado, “o seu concreto objeto e o correspondente preço a pagar pelo dono da obra e a receber pelos empreiteiros” não se encontravam previstos. E, por outro lado, “Não há um plano, um cronograma, ou uma lista de trabalhos ou de quantidades, relativamente às obras que se vão fazer em cada escola.”  

Por fim, concluiu, ainda, que em termos financeiros, jurídicos e administrativos os referidos contratos não são de manifesta simplicidade.

Com efeito, entendeu o Tribunal que na vertente financeira o facto de não se saber o concreto valor a pagar por essa soma de valores ou que se estima ser pago leva a que se retire a simplicidade a este aspeto.

Na vertente administrativa, considerou o Tribunal que a logística do procedimento de apresentação de “Requisições de Trabalhos” e posterior exigência que são feitas aos empreiteiros para que apresentem um Esquema em Diagrama de faseamento da obra, detalhado, com escala de tempo e semana e sob a forma de gráfico de GANT, do Plano de Pagamentos, Cronograma Financeiro, Plano de Equipamento e Mão-de-Obra, Adenda ao Plano de Segurança e Saúde, Plano de Sinalização, leva ao afastamento a sua subsunção ao conceito de “manifesta simplicidade”.

DECISÃO

Em face da argumentação exposta, o Tribunal de Contas decidiu pela improcedência do recurso e pela manutenção da recusa de concessão de visto ao contrato sub judice.

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS 

Do teor da decisão analisada é possível retirar o entendimento de que o conceito de “prestações” e o conceito de “trabalhos”, tem como objetivo flexibilizar a regra geral e permitir à entidade adjudicante adaptar os formalismos às circunstâncias concretas da contratação que, por natureza, não justifica a severidade da norma geral.

Porém, o regime de simplicidade previsto apenas é permitido em situações em que se antevê que a não inclusão de todas as especificidades técnicas, financeiras ou jurídicas não prejudicará a concorrência ou a comparabilidade das propostas.

Assim, a menor complexidade do contrato adjudicado não se refere apenas aos aspetos técnicos do contrato, ou da obra, no caso da empreitada, mas a todos os aspetos contratuais, aqui se englobando, também, os de cariz jurídico, financeiro ou administrativo.

Consequentemente para a integração do conceito de “manifesta simplicidade das prestações” importa ter em consideração o tipo de trabalhos, o valor e o prazo de execução dos contratos.

E, portanto, um caderno de encargo que não inclui-a uma quantificação, ainda que estimada, da maioria dos trabalhos a executar, por espécie de trabalhos e que não permita aferir o preço a pagar pelo dono da obra e a receber pelo empreiteiro, é um caderno de encargo que não garante a indicação dos “aspetos essenciais da execução do contrato”.

2.
N.º DO ACÓRDÃO: 04/2022
RELATOR:Conselheira Sofia David
DATA: 25 de janeiro de 2022
ASSUNTO:Formalidade essencial. Formalidade não essencial. Regime de suprimento. Assinatura. Proposta. Tradução legalizada.

ENQUADRAMENTO

Em causa no presente processo está a decisão de recusa de visto ao contrato celebrado entre o Instituto de Segurança Social e Parmalat Portugal – Produtos Alimentares, Lda., pelo valor de € 1.799.969,99, acrescido de IVA, com o prazo de execução entre 1 de agosto de 2021 a 15 de abril de 2022.

O contrato de prestação de serviços em apreço, outorgado em 6 de julho de 2021, teve como objeto o “fornecimento de género alimentar leite de vaca ultrapasteurizado (UHT) meio gordo (…) no âmbito do Fundo Europeu de apoio às pessoas mais carenciadas (FEAC 2019/2022).”

Tal contrato foi antecedido de concurso público internacional, o qual teve como critério único de adjudicação o preço enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar.

No âmbito do concurso foram apresentadas quatro propostas: (1) Parmalat Portugal – Produtos Alimentares, Lda.; (2) Albisabores, Importação e Exportação de Produtos Alimentares, Unipessoal Lda.; (3) Lactaçores – União das Cooperativas de Lacticínios, UCRL, e (4) Lactogal – Produtos Alimentares, S.A.

Porém, só a proposta apresentada pela Parmalat Portugal – Produtos Alimentares, Lda. foi admitida.

Perante tais exclusões, a Lactaçores – União das Cooperativas de Lacticínios, UCRL interpelou o Instituto de Segurança Social para justificar por que razão não recorreu ao mecanismo de suprimento de irregularidades de propostas e para se pronunciar quanto à suscetibilidade de suprimento de cada uma das formalidades preteridas e que originaram a exclusão da proposta e, ainda, para indicar os preços globais e unitários propostos pelas entidades concorrentes que apresentaram proposta.

Neste sentido, o Instituto de Segurança Social respondeu ao pedido de esclarecimentos, tendo referido que a proposta apresentada pela  Lactaçores – União das Cooperativas de Lacticínios, UCRL foi excluída uma vez que faltava a aposição da assinatura digital qualificada no Anexo VIII e, pelo facto, de a proposta não ter sido instruída com a tradução devidamente legalizada relativamente à ficha técnica do produto, nem a declaração de prevalência, sobre os respetivos originais.” e, como tal, estes motivos não se enquadram no conceito de formalidades não essenciais e, portanto, não poderia ser acionado o mecanismo previsto na lei para suprimir as irregularidades assinaladas.

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL

Tendo em consideração a situação fática exposta, o Tribunal centrou a questão decidenda em aferir se a exigência de assinatura eletrónica do Anexo VIII e a entrega da tradução legalizada da ficha técnica do produto e da declaração de prevalência sobre o original, juntamente com a proposta, constituem ou não formalidades essenciais e insupríveis.

No entender do Instituto de Segurança Social, a falta de assinatura do Anexo VIII e a falta de uma tradução legalizada e de uma declaração de prevalência consubstanciam uma formalidade essencial e como tal, o recurso ao regime do suprimento implicaria a violação dos princípios da transparência, da concorrência, da intangibilidade da proposta, da igualdade dos concorrentes, da legalidade e da imparcialidade.

Já no entender do Tribunal a quo, no Acórdão recorrido, as irregularidades apontadas pelo Instituto de Segurança Social, consubstanciam-se em formalidades não essenciais e, portanto, o Instituto de Segurança Social deveria ter recorrido ao mecanismo de suprimento da irregularidade em vez de excluir à partida a proposta.

Neste sentido, começou o Tribunal por referir que recurso ao mecanismo de suprimento de irregularidades, apenas é aplicável às irregularidades formais não essenciais, isto é, às irregularidades que não colidam com o princípio da imutabilidade das propostas.

Nos termos, entendeu o Tribunal que, com base nos artigos 56.º, n.º 1, artigo 57.º, n.º 1, alínea c) e n.º 4 e o artigo 58.º, todos do CCP, quer o Anexo VIII, quer a ficha técnica do produto são documentos que fazem parte da Proposta quer porque são exigidos pela Lei, quer porque são exigidos no Programa de Concurso, e no qual continham termos ou condições relativas a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos.

Com efeito, considerou o Tribunal que é evidente que as irregularidades cometidas pela concorrente são formalidades previstas na lei e nas normas concursais e, portanto, são formalidades obrigatórias, que constituem ad substantiam e no qual a sua inobservância culmina na exclusão das propostas.

Contudo, apesar de considerar que as irregularidades são formalidades essenciais, o Tribunal prossegue à análise individual de cada irregularidade.

Relativamente à não apresentação da tradução legalizada da ficha técnica do produto e de uma declaração de prevalência, considerou o Tribunal que é “através da apresentação de tal ficha técnica, a Lactaçores manifesta à Entidade Adjudicante a vontade de contratar, fornecendo um produto com as especificidades técnicas que eram exigidas no concurso, assim cumprindo essas mesmas exigências.”

E neste sentido, prossegue o Tribunal, referindo que, o idioma regra da contratação pública é o português e que no Programa de Concurso não é permitido a apresentação de documentos em outra língua sem ser o português, salvo se for acompanhado de tradução legalizada e de declaração de aceitação de prevalência do conteúdo da tradução sob o original.

Mais refere o Tribunal que sendo a ficha técnica um documento que integra a proposta, e que tem de ser entregue até à data-limite para apresentação desta, e não estando, na integra, escrito em português, a concorrente apenas fica vinculada à parte escrita em português, pois a parte escrita em idioma estrangeiro é desconhecida pelo Instituto de Segurança Social e para os demais concorrentes. 

Assim, considerou o Tribunal que não sendo a ficha técnica um documento comprovativo, mas sim informativo e vinculativo da concorrente à proposta, esta irregularidade “(…) comprometeu o resultado final da norma que obriga à entrega da proposta de forma perfeita, pois o júri não pôde conhecer no momento apropriado, de forma completa, os termos da respetiva vontade de contratar. Identicamente, os demais concorrentes ficaram sem conhecer em termos integrais, no momento da abertura das propostas, o conteúdo total da declaração da Lactoaçores.”

Mais acrescenta que, “(…) a partir dos factos provados em g) e j), ter-se-á de concluir que os elementos escritos em idioma estrangeiro na ficha técnica do produto entregue pela Lactoaçores não estariam replicados em língua portuguesa. (…) Isto é, os factos provados obrigam-nos a concluir que os elementos escritos em língua estrangeira eram elementos inovatórios e não réplica traduzida de uma ficha técnica já junta em língua portuguesa. Logo, atendendo a esta factualidade, teremos de concluir que ocorreu aqui a preterição de uma formalidade essencial é insuprível.”.

Por fim, o Tribunal ainda salienta que “Situação diferente ocorreria se se tivesse provado nos autos que os elementos escritos em idioma estrangeiro correspondiam à tradução para várias línguas de uma ficha técnica completa e escrita em português. Neste caso, feita a prova destas ocorrências – de que já tinha sido apresentada uma ficha técnica completamente preenchida em português e que os demais elementos entregues pela Lactoaçores correspondiam àquela mesma ficha traduzida para inglês, francês e espanhol – se estivesse igualmente provado que era possível ao júri compreender a existência desta situação, por as línguas em causa serem relativamente acessíveis para aquele mesmo juiz, já seria de equacionar, ao abrigo dos princípios da proporcionalidade, a possibilidade de se aproveitar quanto a este aspeto a proposta da Lactoaçores. Se estivessem provadas todas estas circunstâncias, a formalidade em questão, ainda que essencial, degradar-se-ia em não essencial e tornar-se-ia suprível.”

Relativamente à falta de assinatura do Anexo VIII, e como o Tribunal já tinha avançado, a irregularidade consubstancia em formalidades essenciais, uma vez que está em causa uma preterição de uma formalidade expressamente prevista na lei e nas normas concursais.

Neste sentido, considerou o Tribunal que quanto a esta questão “(…) não se discute o modo e momento das assinaturas. Não se discute, se as assinaturas devem ser apostas antes do carregamento na plataforma ou durante tal carregamento.” Mas sim, “(…) a total ausência de assinatura do Anexo VIII. Aquele Anexo não tinha uma assinatura autografa, nem eletrónica, nem eletrónica qualificada. Pura e simplesmente não tinha aposta nenhuma assinatura.”

E, portanto, entendeu o Tribunal que “a assinatura individual dos documentos da proposta, designadamente a assinatura eletrónica qualificada, como se refere no Acórdão recorrido, cumpre uma função identificadora – garante que a pessoa que apôs a assinatura é quem tem poderes para vincular o concorrente – finalizadora ou confirmadora – garante que a pessoa que apôs a assinatura tinha a intenção de assinar tal documento – e uma função de inalterabilidade – garante que o documento não sofreu alterações desde que foi aposta assinatura.”

Mais refere que, mesmo que na possibilidade de entregar um novo Anexo VIII devidamente assinado num momento posterior, não ficaria necessariamente assegurado que tal anexo corresponde integralmente àquele que foi inicialmente entregue. E, portanto, colocaria em causa os princípios da estabilidade concursal, na vertente da intangibilidade das propostas, da legalidade, concorrência, da transparência e da igualdade.

Concluindo, deste modo, o Tribunal que “(…) não se pode, seguramente, considerar que a total falta de assinatura do Anexo VIII constituía uma formalidade não essencial, por estar em causa uma mera irregularidade de forma ou do modo de apresentação da proposta, sem relevância substancial.”, pelo que não era exigível ao Instituto de Segurança Social lançar mão do recurso ao suprimento de irregularidades prevista no artigo 74.º, n.º 3 do CCP.

DECISÃO

Em face da argumentação exposta, o Tribunal de Contas decidiu pela procedência do recurso, revogando o Acórdão recorrido e em conceder visto ao contrato outorgado em 6 de julho de 2021 entre o ISS e a Parmalat Portugal – Produtos Alimentares, Lda.

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

Do teor da decisão analisada é possível retirar o entendimento de que a falta de tradução devidamente legalizada e a declaração de prevalência tornam-se irregularidades de formalidade essencial quando não é possível fazer prova de que a ficha técnica apresentada noutro idioma que não o português se traduz numa réplica.

Relativamente à falta de assinatura do Anexo VIII, é possível retirar o entendimento que a falta de assinatura do Anexo VIII pura e simplesmente não permite saber quem se apresenta a vincular o concorrente relativamente ao teor do documento, nem permite que o concorrente se vincule ao teor do Anexo .

E que a apresentação posterior do referido documento não permite com segurança necessária aferir se corresponde na integra com aquele que foi apresentado inicialmente, pelo que a total ausência de assinatura do Anexo VIII leva a estaremos perante uma formalidade essencial e como tal não é exigível o recurso ao mecanismo de suprimento previsto no CCP.

***

Lisboa, 13 de janeiro de 2023

Rogério M. Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
João Mário Costa
Rita Sousa
José Pedro Barros
Carolina Mendes
Patrícia da Conceição Duarte
Inês Reigoto

Tax litigation team

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