Newsletters

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o Tribunal Constitucional português: um reduto inacessível?

07 November 2022
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o Tribunal Constitucional português: um reduto inacessível?
Newsletters

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o Tribunal Constitucional português: um reduto inacessível?

07 November 2022

SUMÁRIO

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) proferiu decisão na qual considera que decisões de inadmissibilidade de recursos proferidas pelo Tribunal Constitucional português violam o direito de acesso a um tribunal consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).

INTRODUÇÃO

Tem sido notada uma certa dificuldade no acesso, por razões meramente formais, ao Tribunal Constitucional português.

A este Tribunal tem vindo a ser apontada uma interpretação excessivamente formalista dos requisitos de admissão do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, previstos na Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro), o que conduz a uma rejeição daqueles recursos e, por conseguinte, a uma não apreciação das questões de inconstitucionalidade nele suscitadas, contra a tutela efetiva que devia ser promovida por todos os tribunais.

Esta questão foi mesmo levada já à apreciação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que proferiu uma Decisão na qual considera que o Tribunal Constitucional português seguiu uma interpretação demasiado formalista da lei, violando o direito de acesso a um tribunal que é também consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).

A DECISÃO DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM E AS DECISÕES DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

Na Decisão de 31 de julho de 2020 (caso “Santos Calado e outros x Portugal” – 55997/14, 68143/16, 78841/16, 3706/17), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem apreciou quatro queixas apresentadas por cidadãos portugueses relativas à inadmissibilidade dos recursos que tinham interposto perante o Tribunal Constitucional.

O TEDH considerou ter ocorrido violação da CEDH e, designadamente, do direito de acesso a um tribunal, em dois dos pedidos formulados: o Pedido n.º 55997/14 (Dos Santos Calado) e o Pedido n.º 68143/16 (Amador de Faria e Silva e outros).

Para definir aquilo que entende por “formalismo excessivo”, o TEDH recorreu a três aspetos: (i) se as modalidades de recurso são previsíveis; (ii) uma vez identificados os erros processuais, se o interessado sofreu um ónus excessivo por causa de tais erros; (iii) e se o formalismo foi excessivo, por ter, por exemplo, resultado de uma interpretação particularmente rigorosa de uma regra de processo que impediu o exame do mérito de uma ação e consubstanciam uma violação do direito de tutela jurisdicional efetiva.

No primeiro pedido analisado pelo TEDH [Pedido n.º 55997/14 (Dos Santos Calado)], o Tribunal Constitucional português proferira uma decisão sumária de inadmissibilidade do recurso, com fundamento no facto de o mesmo ter sido interposto ao abrigo de uma alínea errada da norma que regula a matéria contida na Lei do Tribunal Constitucional.  Dessa decisão foi apresentada reclamação, a qual foi também indeferida.

A Requerente apresentou ainda pedido de reforma da decisão da reclamação, reiterando que a menção da alínea errada do artigo da Lei do Tribunal Constitucional fora mero lapso de escrita e que o fundamento do recurso relativo à alegada ilegalidade decorria, claramente, do requerimento de recurso apresentado. Mais solicitou que o seu lapso de escrita fosse considerado omissão e, nesse seguimento, que fosse notificado para a suprir. Mas também este pedido de reforma foi indeferido pelo Tribunal Constitucional.

O TEDH entendeu, então, que a abordagem seguida pelo Tribunal Constitucional português foi excessivamente formal e que restringiu, de forma desproporcional, o direito da Requerente de ver o seu recurso apreciado quanto ao mérito. Mais entendeu que aquele Tribunal Constitucional poderia ter solicitado à Requerente que colmatasse a omissão e lapso de escrita com a indicação da adequada alínea da norma.

Assim, considerou o TEDH que ocorreu uma violação do direito de acesso a um tribunal previsto na CEDH.

Já no segundo Pedido analisado pelo TEDH [Pedido n.º 68143/16 (Amador de Faria e Silva e outros)], o Tribunal Constitucional português proferira decisão, também sumária, de inadmissibilidade do recurso, com fundamento na omissão dos Requerentes de suscitação de alegada inconstitucionalidade em sede de contra-alegações do recurso jurisdicional julgado pelo Tribunal Central Administrativo Norte – o denominado ónus de suscitação prévia. Os Requerentes reclamaram, aqui também, dessa decisão, argumentando que não poderiam ter suscitado mais cedo a alegada inconstitucionalidade, uma vez que a distinção que a provocou só tinha sido abordada após a prolação do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte. Esta reclamação veio a ser indeferida pelo Tribunal Constitucional português, considerando que os Requerentes podiam ter antecipado a anulação do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte.

O TEDH entendeu, porém, que os Requerentes suscitaram a questão da inconstitucionalidade em sede de contra-alegações e que o Tribunal Constitucional português usou, aqui também, de um excessivo rigor na exigência da prévia e adequada suscitação da questão daquela inconstitucionalidade, privando, assim, as partes da possibilidade de exame do mérito requerida àquele Tribunal.

Com estes fundamentos, o TEDH considerou que ocorreu aqui, de novo, uma violação do direito de acesso a um tribunal, previsto na CEDH.

Em ambos os casos, o TEDH condenou o Estado português a pagar indemnização aos queixosos. 

O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL COMO ÚLTIMO REDUTO: UM REDUTO INACESSÍVEL?

Com as decisões acima resumidas, o TEDH veio dar voz àquela que tem sido queixa frequente na ordem jurídica portuguesa: a cada vez maior dificuldade no acesso ao Tribunal Constitucional, fruto da rejeição, formal, de grande parte dos recursos de inconstitucionalidade interpostos para este Tribunal.

Compreendendo-se o rigor aplicado pelo Tribunal Constitucional na aplicação da lei, e que leva a que se apelide aquele Tribunal de “último reduto”, da legalidade e constitucionalidade, já não se compreende, no entanto, o excessivo rigor e formalismo a que este Tribunal tem recorrido, impedindo na maior parte dos casos, as decisões de mérito e uma tutela judicial efetiva que a própria Constituição impõe.

De facto, a continuar assim, o Tribunal Constitucional constituirá, não apenas o último reduto, mas um reduto inacessível, ameaçando uma das liberdades fundamentais – o acesso ao direito, pilar fundamental de um Estado de direito – que lhe cumpre, muito em especial, também defender.

Lisboa, 07 de novembro de 2022

Rogério M. Fernandes Ferreira
Pedro José Santos
João Mário Costa
Vânia Codeço
Rita Lima de Sousa
José Pedro Barros
Carolina Mendes
Patrícia da Conceição Duarte
Inês Braga Reigoto 

(Tax Litigation Team)

Know-How