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Guia fiscal dos clubes, agentes e praticantes desportivos: enquadramento e comentário às informações da Administração Tributária

27 February 2023
Guia fiscal dos clubes, agentes e praticantes desportivos:  enquadramento e comentário às informações da Administração Tributária
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Guia fiscal dos clubes, agentes e praticantes desportivos: enquadramento e comentário às informações da Administração Tributária

27 February 2023

INTRODUÇÃO

A tributação dos Clubes Desportivos, das Sociedades Anónimas Desportivas, dos agentes e dos desportistas assume importância crescente, atentos os elevados montantes envolvidos na transação de direitos económicos e desportivos, bem como em remunerações, comissões e prémios.

O presente Guia oferece uma visão geral sobre questões jurídico-tributárias específicas dos Clubes, agentes e praticantes desportivos, tomando por ponto de partida relevantes informações emanadas da Administração tributária.

O sistema fiscal português, no âmbito do Desporto, conhece algumas especificidades relevantes e que são, mesmo, objeto de tratamento diferenciado por parte do legislador e da Administração tributária e que, por isso, merecem tratamento individualizado e automatizado.

Não obstante, o presente Guia é um guia geral, não exaustivo, que versa sobre questões específicas do direito tributário do Desporto e que não constitui, nem substitui, aconselhamento jurídico e tributário que deverá ser concedido considerando as especificidades de cada caso concreto.

A REVOGAÇÃO E A RESCISÃO ANTECIPADA DO CONTRATO DESPORTIVO

A crescente complexidade do fenómeno desportivo, designadamente, das competições no futebol profissional tem implicações tributárias específicas.

Não sendo alheia a esta situação, a Administração tributária portuguesa tem produzido alguma doutrina no sentido de esclarecer qual é, no seu entendimento, o enquadramento jurídico-fiscal de diversas situações.

Neste âmbito é de salientar a Circular n.º 12/2011, da Direção de Serviços de IRC, que aborda a perda de valor, para as entidades desportivas, decorrente da revogação ou da rescisão do contrato de trabalho desportivo.

Como é sabido, um dos mais relevantes ativos dos Clubes são os direitos sobre a contratação de jogadores profissionais. Este ativo, como outros, pode aumentar de valor com o decorrer do tempo, mas também pode implicar perdas para o respetivo detentor. Assim, colocou-se a questão de saber se os Clubes ou as Sociedades Anónimas Desportivas poderiam reconhecer esta perda de valor, ou de imparidade, como uma desvalorização excecional, ou se, ao invés, apenas podem reconhecer como gasto a quota-parte da amortização que ainda não tenha sido considerada como tal.

O conceito de perda por imparidade é um conceito contabilístico. Representa o excedente da quantia escriturada de um ativo em relação à sua quantia recuperável. Nem todas as perdas por imparidade, que são aceites de acordo com as normas contabilísticas, assumem, porém, relevância fiscal. Por regra, o legislador tributário é mais exigente, cerceando a possibilidade de os contribuintes reduzirem o seu resultado sujeito a imposto.

Assim, só são aceites como perdas por imparidade as desvalorizações excecionais provenientes de causas anormais e devidamente comprovadas.

A questão que se coloca, aqui, é a de saber se a revogação ou a rescisão de um contrato de trabalho desportivo em momento anterior ao inicialmente previsto representa (ou não) uma desvalorização “anormal” ou “excecional”. Importa adiantar que o Código do IRC reputa como tal, entre outros, os fenómenos naturais ou as inovações técnicas excecionalmente rápidas. Parece, pois, decorrer da lei que as perdas por imparidade com relevância fiscal serão aquelas que se prendem com fatores (totalmente) alheios à vontade do sujeito passivo, como a destruição de ativos por força de desastres naturais, ou de ativos que se tornam obsoletos pela decorrência de inovações técnicas de tal maneira relevantes que se sobrepõem ao normal período de vida útil do bem em causa.

Deste modo, a Administração tributária, apreciando o conceito de perda por imparidade fiscalmente aceite, entendeu dever transmitir que, embora imprevisível no momento da celebração do contrato, a revogação do contrato de trabalho desportivo ainda cabe no conceito de “ato de gestão”, cujo escopo visa, nomeadamente, a redução dos encargos a ele associados, não podendo, por isso, ser considerada como desvalorização excecional. Ou seja, na medida em que o Clube ou a Sociedade Anónima Desportiva manifesta, de forma mais ou menos condicionada, a sua vontade na revogação ou rescisão do contrato de trabalho desportivo em momento anterior ao do términus do período de vida útil do ativo em causa, não estarão, segundo a Administração tributária, reunidas as condições exigidas para que o gasto seja reconhecido ao abrigo deste regime fiscal de perda por imparidade.

Entende, ainda, a Administração tributária que, na revogação do contrato de trabalho desportivo antes do seu termo, o que está em causa é uma alteração da duração efetiva do contrato celebrado. Assim, uma vez alterada a duração do contrato celebrado, o Clube ou a Sociedade Anónima Desportiva deve reconhecer como gasto desse período a quota-parte da amortização que ainda não foi considerada como tal, sendo idêntica a solução proposta para os casos de rescisão unilateral do contrato de trabalho desportivo por parte do jogador ou da entidade desportiva. A Administração tributária portuguesa considera, pois, que a revogação e a rescisão dos contratos de trabalho desportivos celebrados entre os Clubes ou as Sociedades Anónimas Desportivas e os jogadores não pode ser considerada como situação anormal ou estranha à atividade desenvolvida, não preenchendo o carácter de excecionalidade exigido para que possa ser considerada fiscalmente como uma perda por imparidade.

De igual forma, parece poder concluir-se (a contrário) que, se o ativo se desvalorizar por causa fortuita – por ex. lesão ocorrida em momento anterior ao fim do período de vida útil do contrato – já poderão, eventualmente e dependendo de uma análise casuística, estar reunidos os pressupostos para que o regime de reconhecimento fiscal do gasto como perda por imparidade possa ser aplicado.

AS PENALIZAÇÕES DESPORTIVAS

A Administração tributária portuguesa veiculou o seu entendimento quanto ao tratamento fiscal dos encargos com as penalizações desportivas, em sede de IRC, através da Circular n.º 13/2011, de 19 de maio de 2011, que se mantém, ainda, em vigor.

No que respeita à qualificação destes encargos, a Administração tributária entende que os mesmos não podem ser considerados uma consequência natural do exercício regular da atividade económica, já que decorrem do incorreto comportamento dos adeptos ou da viola-ção de regulamentos desportivos. Por esta razão, na altura em que foi elaborada a circular, a Administração tributária entendeu que estes encargos não podem, em geral, ser considerados gastos indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Atualmente, de acordo com o Código do IRC, são consideradas como despesas fiscalmente dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (e já não os indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora). Ainda assim, e efetuando uma interpretação conforme com a atual redação da norma aplicável, parece manter-se coerente o entendimento sufragado em 2011 pela Administração tributária, que considera os encargos com penalizações desportivas não podem ser dedutíveis como gastos.

Adicionalmente, refere ainda a Administração tributária na indicada Circular que, mesmo se os encargos com penalizações desportivas pudessem vir a ser considerados como gastos, não seriam dedutíveis. Com efeito, as penalizações desportivas decorrem do exercício de competências das Federações Desportivas para sancionar a violação de deveres e regras, previstas no Regime Disciplinar das Federações Desportivas de Utilidade Pública Desportiva, pelo que a competência disciplinar para a aplicação de sanções desportivas decorre, no entendimento da Administração tributária, do exercício de atos de natureza pública, e não de mera liberdade contratual entre as partes.

Neste sentido, a Lei n.º 2/2014, de janeiro de 2014, procedeu à alteração do Código do IRC no sentido de estabelecer expressamente como encargos não dedutíveis para a determinação do lucro tributável as multas, coimas e demais encargos, incluindo os juros compensatórios e moratórios, pela prática de infrações de qualquer natureza que não tenham origem contratual, bem como por comportamentos contrários a qualquer regulamentação sobre o exercício da atividade.

Embora o Código do IRC estabeleça que os encargos com as penalizações não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável das entidades que os suportam, continua por esclarecer quais as situações que a Administração tributária concebe, ainda que hipoteticamente, em que tais encargos constituem, efetivamente, gastos incorridos para a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto, resposta a que só a jurisprudência dos nossos tribunais virá a esclarecer.

AS REMUNERAÇÕES DOS JOGADORES E TREINADORES

Para esclarecimento das dúvidas colocadas pelos Clubes Desportivos sobre se os encargos suportados com as remunerações auferidas por jogadores e treinadores, - designadamente, salários, prémios de jogos e outros rendimen-tos do trabalho - podem, ou não, ser considerados “gastos comuns”, para efeitos de IRC, a Administração tributária portuguesa divulgou a Circular n.º 14/2011.

A qualificação de determinados encargos como “gastos comuns” releva na medida em que a matéria coletável das entidades privadas sem fins lucrativos – como é o caso dos Clubes Des-portivos – é obtida através da dedução ao rendimento global de tais “gastos comuns” e de outros imputáveis aos rendimentos sujeitos a imposto e não isentos e, bem assim, determinados benefícios fiscais.

Recorda-se, a este respeito, que a lei fiscal prevê como “gastos comuns” aqueles que sejam comprovadamente indispensáveis à obtenção dos rendimentos que não tenham sido considerados para efeitos da determinação do rendimento global sujeito a imposto e que, bem assim, não estejam, especificamente, ligados à obtenção de rendimentos não sujeitos ou isentos de IRC.

A Administração tributária entendeu, assim, clarificar a sua posição, de acordo com a qual os salários dos jogadores e dos treinadores constituem, de facto, “gastos comuns” dos Clubes Desportivos, na medida em que contribuem não apenas para a obtenção dos rendimentos relativos à atividade desportiva, que é isenta de imposto, mas, também, para a obtenção dos rendimentos decorrentes das receitas publicitárias e das transmissões televisivas sujeitas a IRC. O entendimento baseia-se na verificação de que os jogadores e os treinadores são, para além de trabalhadores dos Clubes Desportivos, uma componente relevante da imagem coletiva dos Clubes determinante para a venda de produtos de marketing e de direitos de transmissões televisivas, bem como para a realização dos contratos de publicidade.

A Administração tributária clarifica, ainda, considerando que as remunerações dos jogadores e dos treinadores são “gastos comuns”, que a sua imputação aos rendimentos sujeitos e não isentos de imposto, ou seja, no caso dos Clubes Desportivos, às receitas publicitárias e de transmissões televisivas, deve ser efetuada através de um critério de repartição proporcional, ou de acordo com critério considerado mais adequado, embora, neste último caso, apenas quando haja aceitação prévia deste por parte da Administração tributária.

Ao aceitar os referidos encargos dos clubes desportivos como “gastos comuns”, a Administração tributária assumiu, ao que parece, a posição adequada, porquanto não se justificaria que tais encargos não fossem considerados na determinação da respetiva matéria coletá-vel, na medida em que se encontram relacionados com a obtenção de rendimentos sujeitos e não isentos de impostos.

A ATIVIDADE DOS EMPRESÁRIOS DESPORTIVOS

Tem vindo a assumir muita relevância no meio desportivo, em particular no futebolístico e, sobretudo, no que respeita a operações relativas aos direitos desportivos dos jogadores, o papel dos empresários desportivos. Estes atuam em representação dos jogadores, dos Clubes Desportivos, ou das Sociedades Anónimas Desportivas, através, normalmente, de um mandato, recebendo em contrapartida uma remuneração.

Neste contexto, foi emitida pela Administração tributária a Circular n.º 15/2011, que se mantém em vigor, relativa ao enquadramento fiscal da atividade dos empresários desportivos na celebração dos contratos de cedência, aquisição e renovação dos direitos desportivos dos jogadores.

Considerando que, quer no âmbito do Regime Jurídico do Contrato de Praticante Desportivo, quer no âmbito do Regulamento FIFA, é consagrada a incompatibilidade de representação das duas partes do contrato pelo empresário desportivo e pelo agente de jogadores, a Administração tributária veio esclarecer que, quando o empresário desportivo atua em representação do jogador, os impostos, taxas e outros tributos que incidam sobre a remuneração paga ao empresário desportivo pelos Clubes Desportivos ou pela Sociedade Anónima Desportiva não são fiscalmente dedutíveis.

Com efeito, nestes casos, a remuneração do empresário desportivo configura um encargo de terceiro que, quer o Clube Desportivo quer a Sociedade Anónima Desportiva, não estão legalmente autorizados a suportar. E este é também o entendimento preconizado pelo legislador, ao estabelecer, expressamente, como encargos não dedutíveis os impostos, taxas e outros tributos que incidam sobre terceiros que o sujeito passivo não esteja legalmente obrigado a suportar.

Pelo contrário, quando o empresário desportivo representa os interesses do Clube Desportivo ou da Sociedade Anónima Desportiva, tendo por base um contrato escrito, a Administração tributária entende que as remunerações pagas ao empresário desportivo já poderão ser consideradas como gastos fiscalmente dedutíveis, na medida em que correspondam efetivamente à prestação de um serviço em sua representação. Neste sentido, também o Regime Fiscal das Sociedades Desportivas veio estabelecer que são aceites como gasto as amortizações dos ativos intangíveis correspondentes aos direitos de contratação dos jogadores profissionais, onde se incluem as quantias pagas pela sociedade desportiva às entidades detentoras dos direitos económicos-desportivos (i.e. empresários desportivos) relativos ao jogador como contrapartida da transferência e os montantes pagos pela sociedade desportiva ao próprio jogador e a agentes ou mandatários, relativos à transferência de jogadores.

A Administração tributária portuguesa chama, no entanto, a atenção para casos particulares, em que o empresário desportivo, o jogador e, bem assim, o Clube Desportivo ou a Sociedade Anónima Desportiva celebram um acordo tripartido, nos termos do qual, embora o empresário deva agir em representação do jogador, o clube desportivo ou a Sociedade Anónima Desportiva assumem a responsabilidade pelo pagamento da remuneração devida ao empresário. Nestas situações, entende-se que o pagamento da remuneração do empresário assume a natureza de rendimento do trabalho dependente do próprio jogador para efeitos de IRS, estando, consequentemente, sujeito a tributação.

Nesta medida, o encargo assumido pelo Clube Desportivo ou pela Sociedade Anónima Desportiva poderá ser considerado como um gasto incorrido para obtenção dos respetivos rendimentos, e dedutível. Neste sentido, o Regime Fiscal das Sociedades Desportivas estabelece que são aceites como gasto as amortizações dos ativos intangíveis correspondentes aos direitos de contratação dos jogadores profissionais, designadamente, as importâncias pagas ao próprio jogador pelo facto de celebrar ou renovar o contrato (ainda que a importância seja paga ao empresário desportivo).

Já em sede de IVA, a Administração tributária clarificou, através da indicada Circular, que a prestação de serviços de intermediação na cedência temporária ou definitiva de um jogador, nos casos em que o jogador seja o adquirente (isto é, tratando de uma operação Business to Consumer – B2C), se encontra sujeita a imposto, onde quer que se situe a sede, o estabelecimento estável, ou o domicílio do empresário desportivo, desde que a operação a que se refere a intermediação – isto é, operação de cedência temporária ou definitiva do jogador - esteja sujeita a tributação no território nacional. Caso a operação a que se refere a intermediação não esteja sujeita a tributação no território nacional, já não haverá lugar a sujeição a IVA, em Portugal.

Se o adquirente da prestação de serviços de intermediação na cedência temporária ou definitiva de um jogador for o Clube Desportivo ou a Sociedade Anónima Desportiva (isto é, tratando de uma operação Business to Business – B2B), e estes se encontrarem estabelecidos em território nacional, haverá também sujeição a IVA em Portugal, independentemente do local da sede, do estabelecimento estável ou do domicílio do empresário desportivo.

No que respeita à possibilidade de o Clube Desportivo ou a Sociedade Anónima Desportiva deduzirem o IVA suportado ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuam, a Administração tributária conclui pela positiva, desde que se verifique que a presta-ção de serviços de intermediação corresponde a um serviço efetivamente prestado ao Clube Desportivo ou à Sociedade Anónima Desportiva, no âmbito de um contrato de representação. Pelo contrário, nos casos em que os serviços de intermediação são prestados ao próprio jogador, embora os encargos com a remuneração paga ao empresário desportivo sejam suportados pelo Clube Desportivo ou pela Sociedade Anónima Desportiva, entende a Administração tributária que não haverá lugar à dedução do IVA, na medida em que o serviço foi prestado ao jogador, e não ao Clube Desportivo ou à Sociedade Anónima Desportiva.

O entendimento veiculado pela Administração tributária portuguesa parece-nos adequado às vicissitudes que decorrem da atividade dos empresários desportivos e à forma como essa atividade afeta os Clubes Desportivos, ou as Sociedade Anónimas Desportivas e os jogadores, assumindo os esclarecimentos prestados bastante relevância no contexto atual, em que as operações realizadas sobre os direitos desportivos dos jogadores movimentam fluxos monetários cada vez mais elevados.

A CEDÊNCIA TEMPORÁRIA DE JOGADORES

O enquadramento fiscal veiculado pela Administração tributária e aplicável às cedências temporárias de jogadores consta da Circular n.º 16/2011, onde se distingue, para este efeito, as situações de cedência temporária efetuadas a título gratuito e as efetuadas a título oneroso.

Neste âmbito, portanto, constitui entendimento da Administração tributária que, em geral, as situações de cedência temporária de jogadores devem considerar-se efetuadas no interesse das três partes envolvidas: o jogador, o Clube Desportivo ou a Sociedade Anónima Desportiva que recebe o jogador e o Clube Desportivo ou Sociedade Anónima Desportiva que efetua a cedência do jogador.

Nos casos em que cedência é efetuada a título gratuito (isto é, nos casos em que a cedência do jogador não envolve qualquer contraprestação da entidade cessionária para a entidade cedente, sendo o pagamento das remunerações do jogador efetuado pela entidade cedente), entende a Administração tributária que os gastos relativos a remunerações e outros encargos relativos ao jogador e incorridos pela entidade cedente, incluindo a parte referente à amortização dos direitos de contratação, são fiscalmente dedutíveis para efeitos de IRC. Este é, também, o entendimento preconizado pelo legislador no Regime Fiscal das Sociedades Desportivas, onde se estabelece que são aceites como gasto as amortizações de contratação de jogadores profissionais, desde que inscritos em competições desportivas de carácter profissional ao serviço de outras sociedades desportivas quando haja cedência temporária de jogadores.

Em sede de IVA, importa aferir, se a prestação de serviços consubstanciada na cedência do jogador foi, ou não, efetuada para fins alheios aos interesses da entidade cedente. Neste âmbito, tratando-se tais cedências de jogadores de situações efetuadas no interesse das três partes envolvidas, a Administração tributária entende que, nos casos em que a cedência for efetuada para fins não alheios aos interesses da entidade cedente – como admitimos que seja o caso na maioria das situações –, não haverá sujeição a IVA.

Quando se trate de cedências temporárias efetuadas a título oneroso (isto é, nos casos em que a cedência envolve uma contraprestação da entidade cessionária à cedente, quer através do pagamento de um preço, quer pela assunção do pagamento da totalidade, ou parte, das remunerações dos jogadores) entende a Administração tributária, ainda neste caso, que os gastos reconhecidos pelo cedente, incluindo a parte referente à amortização dos direitos de contratação, se consideram dedutíveis para efeitos de IRC. E, tal como anteriormente referido, este é, também, o entendimento preconizado pelo legislador no Regime Fiscal das Sociedades Desportivas ao estabelecer que são aceites como gasto as amortizações de contratação de jogadores profissionais, desde que inscritos em competições desportivas de carácter profissional ao serviço de outras sociedades desportivas quando haja cedência temporária de jogadores.

No que respeita ao IVA, tratando-se de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e em conformidade com as regras aplicáveis, haverá lugar a tributação sempre que a operação se considere localizada em Portugal. A Circular clarifica, contudo, que, nos casos em que a contrapartida pela cedência corresponde ao reembolso exato das remunerações e outros encargos, não deverá haver sujeição a IVA, porquanto, em conformidade também com o entendimento administrativo que tem vindo a ser veiculado, nestes casos, não se está perante uma prestação de serviços.

Esclarece, por fim, a indicada Circular que, nos casos em que a cedência temporária constitui parte de uma contraprestação pela aquisição de direitos económico-desportivos de um outro jogador, o valor total da contraprestação corresponderá, não apenas à parte em numerário, mas, também ao valor referente à cedência temporária, o qual deverá ser determinado com base nos documentos referentes ao acordo subjacente.

A CEDÊNCIA DOS DIREITOS DE IMAGEM DOS DESPORTISTAS

O enquadramento tributário a conferir aos rendimentos decorrentes da cedência de direitos de imagem de jogadores, quer na esfera do jogador, quer na esfera do Clube Desportivo ou da Sociedade Anónima Desportiva que adquire os direitos de imagem, quer junto das entidades não residentes que cedam tais direitos, constitui objeto da Circular n.º 17/2011, que veicula o entendimento da Administração tributária sobre algumas das dúvidas suscitadas por este regime.

Assim, no que respeita aos direitos de imagem dos jogadores, a Administração tributária considera que deve distinguir-se o direito de imagem do jogador, enquanto elemento integrado numa equipa, do direito de imagem individual do jogador. No primeiro caso e em conformidade com a legislação aplicável, os direitos de imagem são transmitidos, implicitamente, pelo jogador ao Clube Desportivo ou à Sociedade Anónima Desportiva, aquando da celebração do contrato desportivo. Já a exploração patrimonial do direito de imagem individual só pode ser autorizada mediante um contrato para o efeito, celebrado com o jogador e o Clube Desportivo ou a Sociedade Anónima Desportiva.

Importa referir que, de acordo com o Regime Fiscal Específico das Sociedades Desportivas, os montantes pagos pela Sociedade Desportiva a título de exploração dos direitos de imagem dos jogadores e dos treinadores contratados pela própria são considerados gastos fiscais em percentagem correspondente a 20% do respetivo total.

Em ambos os casos – no plano da equipa e no plano individual –, os rendimentos obtidos pelo jogador, por contrapartida da cedência do seu direito de imagem ao Clube Desportivo ou à Sociedade Anónima Desportiva com quem mantém o contrato de trabalho desportivo, de acordo com o entendimento veiculado pela Administração tributária, deverão ser qualificados como rendimentos de trabalho dependente (categoria A) para efeitos de IRS.

Já os rendimentos obtidos por um jogador que cede a sua imagem a uma entidade terceira deverão ser qualificados como rendimentos de capitais (categoria E), na medida em que assumem a natureza de rendimentos da exploração de um direito de natureza pessoal, com conteúdo patrimonial, segundo o mesmo entendimento da Administração tributária.

Trata-se, porém, de qualificação questionável, pois provavelmente caberá mais adequadamente no âmbito dos rendimentos da Categoria B e da prestação de serviços (rendimentos de trabalho independente), conforme previsto na Tabela Geral anexa ao Código do IRS, quan-do tais direitos de imagem sejam cedidos a terceiros, que não o clube com quem tenham contrato de trabalho desportivo, pois, neste caso, deverão assumir a natureza de rendimentos do trabalho dependente (Categoria A).

Quando a vertente patrimonial do direito de imagem de um jogador seja detida por uma entidade não residente que, por sua vez, ceda tal exploração a um Clube Desportivo ou a uma Sociedade Anónima Desportiva residente, com o qual o jogador celebra um contrato de trabalho desportivo, os rendimentos auferidos pela entidade não residente e decorrentes dessa cedência considerar-se-ão, ainda segundo a Administração tributária, como rendimentos decorrentes do exercício da atividade de desportistas e serão tributados em sede de IRC, por retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 25%.

Já na esfera do Clube Desportivo ou da Sociedade Anónima Desportiva que adquire a uma entidade não residente o direito de explorar a vertente patrimonial do direito de imagem de um jogador com o qual vai celebrar contrato de trabalho desportivo, entende a Administração tributária que este deverá comprovar uma “mínima adequação” entre a exploração de tais direitos e os encargos suportados para que estes possam ser considerados gastos fiscalmente dedutíveis, para efeitos de IRC.

Em sede de IVA, a aquisição a uma entidade não residente por parte de um Clube Desportivo ou de uma Sociedade Anónima Desportiva do direito de exploração patrimonial da imagem de um jogador com o qual vai celebrar contrato de trabalho desportivo, em conformi-dade com as regras aplicáveis às transações business to business (B2B), encontra-se sujeita a este imposto, devendo, assim, o correspondente imposto ser autoliquidado pelo Clube Desportivo ou pela Sociedade Anónima Desportiva.

A CEDÊNCIA DE DIREITOS ECONÓMICO-DESPORTIVOS DOS JOGADORES

O enquadramento fiscal dos rendimentos obtidos por entidades não residentes em território português decorrentes da cedência de direitos económicos de jogadores veiculado pela Administração tributária constitui objeto da Circular n.º 18/2011.

Para este efeito, os direitos desportivos são aqueles que emergem de um contrato de trabalho desportivo realizado entre um Clube Desportivo ou Sociedade Anónima Desportiva e um jogador. Já os direitos económicos desportivos consubstanciam-se no direito à compen-sação exigida por um Clube Desportivo ou Sociedade Anónima Desportiva que detém um contrato de trabalho desportivo com um jogador para que prescinda desse jogador em favor de outro Clube Desportivo ou Sociedade Anónima Desportiva, permitindo assim a sua transferência.

Atendendo a que os direitos económico-desportivos relativos a um jogador (que é parte num contrato de trabalho desportivo) podem ser cedidos, total ou parcialmente, a favor de uma terceira entidade não desportiva, sem que haja transferência do jogador, entende a Admi-nistração tributária, nos casos em que a cedência do jogador e dos respetivos direitos económico-desportivos ocorra, por parte de uma entidade desportiva não residente a um Clube Desportivo ou Sociedade Anónima Desportiva residente, que os rendimentos daí decorrentes não serão tributados em Portugal, por ausência de um elemento de conexão desses rendimentos ao território nacional. Em conformidade, também nas situações de transferência do jogador em que intervenham entidades não des-portivas não residentes que se apresentam como detentoras de uma percentagem de “passes” dos jogadores, os rendimentos daí decorrentes não serão tributados, por falta de elemento de conexão com o território nacional.

Enquadramento diferente será aplicável, porém, às importâncias pagas a uma entidade não desportiva e não residente na sequência da cedência do jogador e direitos económico-desportivos por parte de um Clube Desportivo ou Sociedade Anónima Desportiva residente. Nestes casos, de acordo com o mesmo entendimento veiculado pela Administração tributária, os rendimentos pagos têm a natureza de rendimentos de aplicação de capitais, sendo passíveis de tributação em Portugal, uma vez que a fonte do rendimento (residência do devedor) se localiza neste território, por retenção na fonte e à taxa de 25% (sem prejuízo do disposto na Convenção para Evitar a Dupla Tributação, se aplicável).

No caso de o jogador se encontrar “livre”, isto é, sem contrato de trabalho desportivo em vigor, e aquando da aquisição de direitos económicos por parte de um Clube Desportivo ou Sociedade Anónima Desportiva residente a uma entidade não desportiva não residente, entende a Administração tributária estarem em causa direitos económicos que não têm na sua origem direitos desportivos. Deste modo, a celebração de um futuro contrato de trabalho desportivo subsume-se no direito equivalente ao prémio de assinatura que um jogador poderia exigir pela celebração do novo contrato.

Assim, eventuais rendimentos obtidos por uma entidade não residente, em contrapartida da assinatura de um futuro contrato de trabalho desportivo com um Clube Desportivo ou Sociedade Anónima Desportiva residente deverão considerar-se rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportista, sujeitos a IRC em Portugal, também por aplicação do mecanismo de retenção na fonte, à taxa de 21%.

A TRIBUTAÇÃO DOS ÁRBITROS

De acordo com o estabelecido no Código do IRS, a determinação do rendimento tributável enquadrável na Categoria B (rendimentos pro-fissionais e empresariais) do IRS, no âmbito do regime simplificado, obtém-se através da aplicação de diferentes coeficientes aos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo. Estes coeficientes variam em função da natureza dos rendimentos, designadamente se respeitam a atividades profissionais especificamente previstas na Tabela a que se refere o (artigo 151.º do) Código do IRS.

A atividade de Árbitro é uma das atividades que não se encontra expressamente prevista na Tabela do Código do IRS e que não pode também considerar-se como abrangida pelo Código de Atividade 1323 – Desportistas, pelo que deve ser-lhe aplicável o coeficiente de 0,35, relativo aos rendimentos de outras prestações de serviços.

Os rendimentos auferidos por Árbitros, no exercício desta atividade, qualificam-se, regra geral, como rendimentos provenientes da prestação de serviços e são enquadráveis na Categoria B de IRS.

Como é sabido, a determinação dos rendimentos profissionais e empresariais faz-se, também, por regra, com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado ou com base na contabilidade.

Ora, no âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação de coeficientes, que representam, na prática, o reconhecimento de um direito de dedução (automática) de despesas correspondente a uma percentagem do rendimento auferido, variável em função da natureza do rendimento auferido, designadamente se respeita a atividades profissionais especificamente previstas na indicada Tabela do Código do IRS.

Sucede, porém, que a atividade de Árbitro não se encontra especificamente prevista na referida Tabela de atividades a que se refere o Código do IRS, levantando-se a questão de saber se o Código de Atividade 1323 – Desportistas, previsto naquela Tabela, deve, ou não, ser interpretado de forma a abarcar a atividade profissional de um árbitro de modalidades desportivas.

A diferença é sensível, já que, no caso de a atividade de árbitro se encontrar abrangida pelo Código de Atividade 1323 – Desportistas lhe é aplicável um coeficiente de 0,75 (que equivale ao reconhecimento de um direito de dedução, automática, de despesas no valor de 25% do rendimento auferido), enquanto no caso contrário lhe é aplicável um coeficiente de 0,35 (que equivale ao reconhecimento de um direito de dedução, automática, de despesas no valor de 65% do rendimento auferido).

Esta questão foi, em 2018, objeto de uma Ficha Doutrinária da Administração tributária, onde foi perfilhado o entendimento de que «o rendimento proveniente da atividade de árbitro de futsal deve ser inscrito no campo 403 do quadro 4-A do anexo B da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS e a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação do coeficiente de 0,75 (…)».

Não obstante, a questão foi, também, já objeto de Decisões Arbitrais dissonantes, proferidas pelo Centro de Arbitragem Administrativa (designadamente no âmbito do Processo nº 510/2017-T e no âmbito do Processo n.º 421/2019-T), onde, numa, se entendeu ser aplicável o coeficiente de 0,35, enquanto noutra, mais recente, se considerou que os rendimentos de um árbitro de modalidades desportivas se encontra abrangido pela Atividade 1323 – Desportistas e que lhe é aplicável um coeficiente de 0,75.

Neste âmbito, as Decisões arbitrais que consideraram ser aplicável o coeficiente de 0,35 (de que também é exemplo a Decisão proferida no Processo n.º 704/2019-T), assentam no entendimento de que, por força do princípio da legalidade, previsto na Constituição da República Portuguesa, e dos princípios da tipicidade e da determinação em que aquele se desdobra, as normas de incidência têm de ser pré-determinadas no seu conteúdo, devendo os elementos integrantes da mesma estar formulados de modo preciso e determinado.

Partindo daqui, considera-se que a atividade de árbitro de modalidades desportivas não tem inequívoca e clara constância e previsão na referida tabela anexa ao Código do IRS, ainda que possa estar relacionada com qualquer atividade desportiva, pois não é, notoriamente, ela própria, uma atividade desportiva sem mais.

Mais se considera que, sendo a letra da lei o limite máximo da tarefa interpretativa, não é possível concluir que outros rendimentos, além desses, devem merecer o mesmo tratamento, sobretudo quando o próprio legislador criou, em paralelo à categoria específica de rendimentos de Desportistas, uma categoria residual e onde se incluem os restantes rendimentos da categoria B não previstos especificamente na lei.

Nesta medida, é entendido que, partindo do elemento literal da lei, o resultado da interpretação é o de que o coeficiente de 0,75 é aplicável, apenas, a rendimentos das atividades profissionais especificamente constantes da tabela a que se refere o citado artigo do Código do IRS e onde não se inclui a atividade de árbitro de modalidades desportivas.

Por seu lado, a referida Decisão, que considerou que os rendimentos de árbitro se encontram abrangidos pela Atividade 1323 – Desportistas – e que lhes é aplicável o coeficiente de 0,75 –, assenta, fundamentalmente, no entendimento de que, se fosse aplicável aos árbitros o coeficiente de 0,35 – diferentemente do que sucede com os praticantes desportivos propriamente ditos –, isso constituiria uma solução manifestamente desigual, desproporcional e destituída de fundamento racional e material bastante.

Neste ensejo, uma tal diferenciação de tratamento, aplicando a praticantes desportivos um coeficiente de 0,75 e a árbitros o de 0,35, representaria também uma diferenciação dificilmente compatível com a justiça do sistema fiscal, porque violadora dos princípios da capa-cidade contributiva e da proibição do arbítrio, que são subprincípios do princípio da igualdade fiscal.

Aqui se considera, também, que esse entendimento, preconizado pela Administração tributária, se perfilaria como o mais consistente com uma visão unitária do sistema jurídico, enquanto sistema de valores, princípios e regras, adequando-se ao sentido material que se retira dos princípios da justiça fiscal, da igualdade fiscal – horizontal e vertical – e da consideração da capacidade contributiva subjetiva, que têm o seu fundamento, último, na ordem constitucional.

Em face destas duas Decisões, opostas, a questão foi submetida, finalmente, ao Supremo Tribunal Administrativo, que proferiu, em 12 de Setembro de 2020, o competente acórdão de uniformização de jurisprudência (Processo n.º 092/19.9BALSB).

O entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Administrativo assenta na consideração de que o envolvimento e a importância dos árbitros para a realização de eventos desportivos não pode ser considerado como fator determinante para julgar que tais profissionais são, eles próprios, desportistas, sob pena de terem de ser considerados como desportistas todos quanto estão envolvidos no fenómeno desportivo. Isto é «não só os árbitros, mas também os médicos, os dirigentes, os empresários, e outros agentes desportivos previstos na Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto». O que deve relevar para incluir um determinado profissional na Tabela do Código do IRS é a atividade, concreta e especificamente, por ele exercida.

Partindo daqui, considera também o Supremo Tribunal Administrativo que não existe qualquer violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, na medida em que não existem razões legais para proceder a uma interpretação extensiva da atividade profissio-nal de desportista, já que as funções e as tarefas exercidas por um árbitro não se incluem concretamente nesse conceito, nem com ele se confundem.

Neste contexto e na decorrência deste Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de setembro de 2020, uniformizou-se a jurisprudência no sentido de que, não constando a atividade de árbitro, especificamente, da Tabela a que se refere o (artigo 151.º do) Código do IRS, ser-lhe-á aplicável o coeficiente de 0,35.

OS AUXÍLIOS DE ESTADO FISCAIS

O Tribunal Justiça da União Europeia (“TJ”) proferiu no passado dia 4 de março de 2021, um Acórdão sobre Auxílios de Estado em matéria de imposto sobre as sociedades. Enquanto questão, prévia ao litígio, estava em causa uma Decisão do Tribunal Geral da União Europeia, que determinou a anulação de uma Decisão da Comissão Europeia, na qual se considerou que o regime legal espanhol, por via do instrumento legislativo de regulação das sociedades anónimas desportivas e dos clubes desportivos, conferia Auxílios de Estado a clubes de futebol, nomeadamente tendo considerado beneficiados os seguintes clubes de futebol: Fútbol Club Barcelona, ao Real Madrid Fútbol Club, ao Club Atlético Osasuna e ao Athletic Club de Bilbau.

A origem deste litígio remonta ao ano de 1990, aquando do surgimento da Ley 10/1990 del desporto, a qual obrigava a que todos os clubes desportivos profissionais espanhóis modificas-sem a sua forma jurídica, passando, obrigatoriamente, de clubes desportivos para sociedades anónimas desportivas (“SAD”), tendo, também, como objetivo o de incentivar uma gestão mais responsável das atividades dos clubes. Contudo, uma das alterações a esta Lei previu uma exceção, ao permitir que os clubes desportivos que apresentassem resultados positivos nos exercícios fiscais anteriores ao da adoção da lei pudessem manter a forma jurídica de clubes desportivos, estes beneficiavam, assim, de um regime de tributação especial, tendo em conta que, sob a forma jurídica de clubes desportivos, são qualificadas como pessoas coletivas sem fins lucrativos e, por isso, sujeitos a uma taxa de tributação de rendimentos especial e que foi, até 2016, mais baixa do que a aplicada às SAD.

Após uma investigação da Comissão Europeia, em sede de Auxílios de Estado (fiscais), concluiu, mediante a Decisão (EU) 2016/2391, de 4 de julho de 2016, que a Ley 10/1990 del desporto foi concluído consubstanciava um Auxílio de Estado e que ia contra os princípios do mercado interno.

Em consequência, ditava a referida Decisão que, para o efeito, o Reino de Espanha deveria suprimir a disposição em questão, bem como teria que recuperar a diferença entre o imposto aplicado aos clubes desportivos e aquele que foi aplicado às SAD.

O Tribunal Justiça da União Europeia (“TJ”) proferiu no passado dia 4 de março de 2021, um Acórdão sobre Auxílios de Estado em matéria de imposto sobre as sociedades. Enquanto questão, prévia ao litígio, estava em causa uma Decisão do Tribunal Geral da União Europeia, que determinou a anulação de uma Decisão da Comissão Europeia, na qual se considerou que o regime legal espanhol, por via do instrumento legislativo de regulação das sociedades anónimas desportivas e dos clubes desportivos, conferia Auxílios de Estado a clubes de futebol, nomeadamente tendo considerado beneficiados os seguintes clubes de futebol: Fútbol Club Barcelona, ao Real Madrid Fútbol Club, ao Club Atlético Osasuna e ao Athletic Club de Bilbau.

A origem deste litígio remonta ao ano de 1990, aquando do surgimento da Ley 10/1990 del desporto, a qual obrigava a que todos os clubes desportivos profissionais espanhóis modificassem a sua forma jurídica, passando, obrigatoriamente, de clubes desportivos para sociedades anónimas desportivas (“SAD”), tendo, também, como objetivo o de incentivar uma gestão mais responsável das atividades dos clubes. Contudo, uma das alterações a esta Lei previu uma exceção, ao permitir que os clubes desportivos que apresentassem resultados positivos nos exercícios fiscais anteriores ao da adoção da lei pudessem manter a forma jurídica de clubes desportivos, estes beneficiavam, assim, de um regime de tributação especial, tendo em conta que, sob a forma jurídica de clubes desportivos, são qualificadas como pessoas coletivas sem fins lucrativos e, por isso, sujeitos a uma taxa de tributação de rendimentos especial e que foi, até 2016, mais baixa do que a aplicada às SAD.

Após uma investigação da Comissão Europeia, em sede de Auxílios de Estado (fiscais), concluiu, mediante a Decisão (EU) 2016/2391, de 4 de julho de 2016, que a Ley 10/1990 del desporto foi concluído consubstanciava um Auxílio de Estado e que ia contra os princípios do mercado interno.

Em consequência, ditava a referida Decisão que, para o efeito, o Reino de Espanha deveria suprimir a disposição em questão, bem como teria que recuperar a diferença entre o imposto aplicado aos clubes desportivos e aquele que foi aplicado às SAD.

Contudo, a Decisão foi objeto de recurso para o Tribunal Geral, por parte do Fútbol Club Barcelona, tendo este decidido anular a Decisão da Comissão Europeia, por entender que esta não fora capaz de demonstrar que o regime fiscal aplicável às entidades sem fins lucrativos era suscetível de colocar os seus beneficiários numa situação mais vantajosa, se comparado com o regime fiscal aplicável aos demais clubes desportivos, que teriam, obrigatoriamente, de operar sob a forma de SAD.

No seguimento da Decisão do Tribunal Geral, anulando a Decisão da Comissão Europeia que considerava que o Reino de Espanha tinha concedido Auxílios de Estado aos clubes desportivos mencionados, a Comissão Europeia interpôs recurso para o Tribunal da Justiça, peticionando a anulação do Acórdão do Tribunal Geral com fundamento na violação do n.º 1 do artigo 107.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), ou seja, da regra sobre a proibição de Auxílios de Estado.

Primeiramente, entendeu a Comissão Europeia que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, quando apreciou os critérios utilizados pela Comissão Europeia para determinar se um regime fiscal concedia uma vantagem aos seus beneficiários e, portanto, se esse regime era suscetível de constituir um Auxílio de Estado, na aceção do TFUE.

Neste aspeto, o Tribunal de Justiça concordou com a Comissão Europeia, entendendo que o Tribunal Geral cometera um erro de direito, quando considerou que a sua decisão deveria incidir simultaneamente sobre a aplicação do regime de Auxílios de Estado e do regime de auxílios individuais concretamente concedidos. Para o Tribunal de Justiça a medida controvertida teria que ser analisada à luz do regime de Auxílios de Estado, isto é, analisando se este, globalmente considerado, tendo em conta as suas características próprias, era suscetível de conduzir, no momento da sua adoção, a uma tributação menos elevada do a que resulta da aplicação do regime geral de tributação.

Assim, o Tribunal de Justiça entendeu que a Comissão devia proceder a uma apreciação global do referido regime, tendo em conta todos os seus componentes e que constituem as suas características próprias, tanto favoráveis, como desfavoráveis, aos seus beneficiários, sem, contudo, ter que apreciar, na sua análise ao abrigo do regime de Auxílios de Estado, a questão da concessão individualizada de benefícios, a qual não é mais do que uma decorrência direta da aplicação do próprio regime de Auxílios de Estado.

Concluiu, assim, o Tribunal de Justiça que para determinar a existência de um Auxílio de Estado, no caso em apreço, a Comissão deveria examinar, exclusivamente, os critérios do regime de Auxílios de Estado e no momento da adoção do regime fiscal em causa, não tendo que considerar, nessa fase, os auxílios individuais concretamente concedidos com base no próprio regime sob análise.

Contudo, entendeu, também, o Tribunal que a Comissão Europeia estava obrigada, na fase da eventual recuperação da vantagem obtida com base nesse regime de Auxílios de Estado, a determinar se o referido regime proporcionou, efetivamente, uma vantagem aos seus beneficiários individualmente considerados, uma vez que essa recuperação exige que se defina o montante, exato, do auxílio de que estes beneficiaram, efetivamente, em cada exercício fiscal.

Com base nesta raciocínio, o Tribunal entendeu que a impossibilidade de determinar o montante da vantagem no momento da adoção de um regime de Auxílios de Estado não pode impedir a Comissão de constatar que esse regime era suscetível de conferir, desde essa fase, uma vantagem, bem como, não pode, correlativamente, dispensar o Estado-Membro em causa de notificar a Comissão Europeia, previamente à execução das medidas projetadas como eventual Auxílio de Estado, tal como resulta do n.º 3 do artigo 108.° do TFUE.

Nestes termos e considerando a factualidade subjacente ao caso em análise, concluiu o Tribunal de Justiça da União Europeia que a Ley 10/1990 del desporto, a partir do momento da sua adoção, consubstanciava um regime de Auxílio de Estado, abrangido pelo (n.º 1 do artigo 107.°) do TFUE, uma vez que concedia a alguns clubes elegíveis para esse regime (como era o caso do Fútbol Club Barcelona), a possibilidade de continuar a operar, a título derrogatório, enquanto entidade sem fins lucrativos e que lhe permitia beneficiar de uma taxa reduzida de tributação em relação ao regime aplicável aos clubes que operam como SAD.

Ainda com interesse relevante para a causa, o Tribunal analisou a suposta inexistência de distorção da concorrência e da violação da presunção de inocência, a violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica, e, ainda, a aparente justificação do regime numa lógica interna do sistema fiscal espanhol, além do desrespeito pelo procedimento previsto para a recuperação de um auxílio existente, tendo, todavia, julgado todos estes argumentos improcedentes.

O Tribunal de Justiça decidiu, assim anular o Acórdão do Tribunal Geral, negando provimento ao recurso interposto pelo FC Barcelona, mantendo, a Decisão da Comissão Europeia e considerando que a Ley 10/1990 del desporto consubstanciava um Auxílio de Estado não permitido no âmbito do Direito Europeu.

Lisboa, 27 de fevereiro de 2023
Rogério M. Fernandes Ferreira
Pedro José Santos

www.rffadvogados.pt

 

 

 

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