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Os requisitos dos juros de mora devidos pela autoridade tributária ao contribuinte - uniformização de jurisprudência

03 juillet 2025
Os requisitos dos juros de mora devidos pela autoridade tributária ao contribuinte - uniformização de jurisprudência
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Os requisitos dos juros de mora devidos pela autoridade tributária ao contribuinte - uniformização de jurisprudência

03 juillet 2025

A presente Informação incide sobre o mais recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, que veio trazer importantes esclarecimentos sobre os requisitos do pagamento dos juros de mora devidos pela Autoridade Tributária ao contribuinte, nomeadamente se o seu pagamento está dependente de erro imputável aos serviços.

ENQUADRAMENTO

No âmbito do processo n.º 03009/04.1BELSB-A, de 27 de novembro de 2024, o Supremo Tribunal Administrativo foi chamado a decidir sobre se os juros de mora devidos pela Autoridade Tributária ao contribuinte só são devidos nas situações em que estejam também verificados os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios, nomeadamente a existência de erro imputável aos serviços.

Recorde-se que a Autoridade Tributária dispõe de um prazo para cumprir voluntariamente sentenças e acórdãos dos tribunais. Nestes termos, quando a execução da sentença consista no pagamento de uma quantia pecuniária, o pagamento ao contribuinte deve ser realizado, no máximo, no prazo procedimental de 30 dias.

De acordo com a Lei Geral Tributária (LGT), são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, devendo a AT indemnizar o contribuinte nestes casos.

Adicionalmente, resulta da LGT que no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado (30 dias, conforme referido no parágrafo anterior) e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído ao contribuinte por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas (que nos termos do disposto no Aviso n.º 678/2024, de 12 de janeiro, atualmente em vigor, a taxa de juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas para 2024 foi fixada em 8,876%, devendo ser calculados e pagos os juros de mora ao dobro desta taxa, ou seja, à taxa de 17,752%).

Pelo exposto, têm os juros de mora um fim sancionatório, que visa desincentivar o incumprimento das obrigações que resultam para as partes das decisões judiciais.

O ENTENDIMENTO DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA

A Autoridade Tributária considerou que estando em causa a execução de uma decisão judicial que implique a restituição da prestação tributária paga, só deverão ser devidos juros de mora à taxa agravada se estiverem reunidos os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios.

Assim, defendeu a Autoridade Tributária que a norma em matéria de juros moratórios deve ser interpretada no sentido de que a sua aplicação está restringida aos casos de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, ou da verificação dos pressupostos da constituição da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios. Para a Autoridade Tributária não basta então a verificação do incumprimento do prazo de execução da decisão judicial transitada em julgado, e a constatação de que a restituição do imposto pago indevidamente não se operou naquele prazo, exigindo-se um erro imputável aos serviços da AT, o que restringe o direito do contribuinte aos mesmos.

O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

O Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência em apreço veio contrariar o entendimento da Administração Tributária, e esclarecer que os juros de mora são devidos em todas as situações em que se verifique a ultrapassagem do termo do prazo de execução espontânea de decisão transitada em julgado, ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, contrariando a restrição a direitos dos mesmos pelos contribuintes.

Mais vem acrescentar o Tribunal que o regime dos juros de mora teve “unicamente como objetivo exercer pressão sobre os devedores para que solvam rapidamente as suas obrigações, não se encontrando nas respetivas previsões qualquer fundamento ressarcitório ou indemnizatório. A instituição dos “juros dobrados” no n.º 5 do art. 43.º da LGT destina-se, unicamente, a dissuadir os atrasos da AT na restituição aos contribuintes dos valores por eles indevidamente pagos, após o trânsito em julgado das decisões judiciais de que resulte a obrigação de restituir. Porque é essa a ratio legis, mal se compreenderia que o legislador fizesse depender a atribuição desses “juros dobrados” da circunstância de serem devidos juros indemnizatórios a favor do contribuinte. É que a razão de ser de uns e outros juros é totalmente diversa e aqueles em nada dependem destes.”.

Apesar do Voto Vencido de parte dos Juízes Conselheiros, segundo o qual a taxa de juro dobrada (e sancionatória) apenas se justifica nos casos em que sejam devidos juros indemnizatórios, concluiu o Supremo Tribunal Administrativo que a tese da Autoridade Tributária não procede, uniformizando a jurisprudência no sentido de que as regras da hermenêutica das normas legais tributárias não permitem que da norma em matéria de juros de mora se extraia o sentido de que os mesmos só são devidos nas situações em que estejam também verificados os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Supremo Tribunal Administrativo, através do mais recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, veio clarificar que a obrigação de pagamento de juros de mora ao contribuinte não está dependente do preenchimento dos requisitos dos juros indemnizatórios, sendo dispensada a demonstração de que o atraso no cumprimento das decisões judiciais se deve a erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária.

Com esta decisão, o Supremo Tribunal Administrativo não só veio consolidar a linha jurisprudencial que deverá vir a ser observada futuramente pelos tribunais portugueses, mas também fornecer uma orientação fundamental para os contribuintes que se encontram em situações semelhantes e que lhes é mais favorável, ao permitir o pagamento dos juros de mora mesmo na ausência de erro imputável aos serviços.

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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Bárbara Malheiro Ferreira
Maria Antónia Silva
Marta Arnaut Pombeiro
Marta Monteiro Moreira
Marta Sequeira Campos
Raquel Tomé Castelo

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