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A contribuição de serviço rodoviário e o novo acórdão do Tribunal Justiça União Europeia

02 June 2022
A contribuição de serviço rodoviário e o novo acórdão do Tribunal Justiça União Europeia
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A contribuição de serviço rodoviário e o novo acórdão do Tribunal Justiça União Europeia

02 June 2022

SUMÁRIO

O TJUE proferiu um Acórdão que considera que a Contribuição de Serviço Rodoviário viola a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo, na qual se prevê que os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, bem como sobre a possibilidade de recusa do reembolso de impostos indiretos contrários à Diretiva, com fundamento em enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

I. A CONTRIBUIÇÃO DE SERVIÇO RODOVIÁRIO

A Contribuição de Serviço Rodoviário foi criada em 2007, pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, com vista a financiar a rede rodoviária nacional, a cargo da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., no que respeita a conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento.

Esta Contribuição incide sobre a gasolina, a gasóleo e a gás de petróleo liquefeito (GPL) sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (IPS) e dele não isentos.

Atualmente, o valor da contribuição é de 87€ por cada 1000L para a gasolina, de 111€ por cada 1000L para gasóleo rodoviário e de 123€ por cada 1000KG de GPL Auto e é devida pelos mesmos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP).

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) foi, agora, solicitado a pronunciar-se, a título de reenvio prejudicial, sobre se a Contribuição de Serviço Rodoviário viola a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo, a qual prevê que os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, bem como sobre a possibilidade de recusa do reembolso de impostos indiretos contrários à Diretiva, com fundamento em enriquecimento sem causa do sujeito passivo. E esta decisão considera que a Contribuição de Serviço Rodoviário viola, efetivamente, o Direito da União Europeia.

II. A DECISÃO

O TJUE começa pela análise da primeira questão, ou seja, sobre se a Contribuição de Serviço Rodoviário prossegue ou não um “motivo específico”, na aceção da Diretiva 2008/118/CE, suscetível de permitir ao Estado Português a sua cobrança concomitante sobre produtos já sujeitos a impostos especiais sobre o consumo.

Sobre esta questão, o TJUE conclui que “o imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.”, ou seja, a CSR, deve ser interpretada no sentido de que não prossegue “motivos específicos”, na aceção da Diretiva 2008/118/CE. Isto porque entende o TJUE que (i)“embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente”, que (ii) “para se considerar que prossegue um motivo especifico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar-se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional” e que (iii)“o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho”, ou seja, para a redução da sinistralidade e da sustentabilidade ambiental, mas, mais amplamente, para assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária.

Considera, ainda, o TJUE que “as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis” e, bem assim, que “a decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes.”

Já, relativamente à questão de saber se o Direito Europeu deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo, entende o TJUE que "um Estado-membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União  quando as autoridades nacionais  provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa".

Contudo, considera o TJUE que mesmo que “os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parciais ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de urna maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido".

Assim, “a repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial, pelo que essa questão deve ser avaliada caso a caso e constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos".

Neste sentido, entendeu o TJUE que não basta uma presunção, tem de haver uma prova efetiva, sublinhando que "mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem

causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas".

III. OS EFEITOS

Em suma, o TJUE considerou que a Contribuição de Serviço Rodoviário é ilegal porque não prossegue os “motivos específicos” exigidos pelo Direito Europeu e ainda que este deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a Administração tributária possa fundamentar a recusa de reembolso de um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que o imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

Deste modo, e apesar de o processo em causa ainda não estar consolidado na ordem jurídica portuguesa, uma vez que a Administração tributária terá impugnado a Decisão proferida no processo arbitral no âmbito da qual foi acionado o mecanismo do reenvio prejudicial que deu origem ao Acórdão do TJUE em análise, a verdade é que esta Decisão do TJUE, ao considerar ilegal a Contribuição de Serviço Rodoviário, virá, certamente, a condicionar, se não vincular, os tribunais portugueses neste e noutros processos que, certamente, irão advir com vista à contestação da (i)legalidade desta – mais uma – contribuição.

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Lisboa, 02 de junho de 2022

Rogério M. Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
Rita Sousa
Carolina Beatriz Mendes
Patrícia da Conceição Duarte

(Tax Litigation Team)

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